Economia

Revisão da lei laboral. Ministra apresenta medidas que não constam da versão final da proposta do Governo

Ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. Foto: Lusa / Miguel A. Lopes
Ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. Foto: Lusa / Miguel A. Lopes

Alterações ao Código do Trabalho, no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, estão a ser debatidas esta sexta-feira no Parlamento. Na intervenção inicial, Ana Mendes Godinho referiu medidas como a alteração ao Código dos Contratos Públicos, a norma da transparência da estrutura de custos do trabalho e o reforço de poderes da ACT, que constavam na primeira versão do projeto de lei, mas que o Governo deixou entretanto cair

De que proposta à alteração da legislação laboral, no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, estava a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, a falar quando esta sexta-feira de manhã, no Parlamento, fez a sua intervenção inicial para apresentar a proposta de lei do Governo nesta matéria? A interrogação coloca-se porque a ministra referiu explicitamente um conjunto de medidas que embora constassem da versão inicial diploma - aprovado em Conselho de Ministros e sujeito a consulta pública em outubro do ano passado - não constam na proposta final que acabou por ser entregue na Assembleia da República e que está em debate esta sexta-feira. Uma situação que não passou despercebida ao deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro.

Como o Expresso já avançou, entre as duas versões conhecidas da proposta de lei do Governo, há várias diferenças e medidas, algumas emblemáticas, que ficaram pelo caminho. Em causa estão normas como a extensão da moratória à caducidade das convenções coletivas até 2024, a reposição parcial da majoração do trabalho suplementar, a obrigatoriedade de os patrões comunicarem os motivos de cessação de contrato durante o período experimental, a principal medida de reforço do poder da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) - que passaria a poder suspender despedimentos, sempre que fossem identificados indícios de ilicitude.

O Governo também deixou cair as alterações ao Código dos Contratos Públicos, impondo que os contratos de trabalho com o Estado, no âmbito de um contrato de concessão, não contemplassem vínculos precários, bem como a norma que versava a transparência da estrutura de custos de trabalho para travar a concorrência desleal (dumping) nos contratos de prestação e externalização de serviços (outsourcing). Igualmente de fora ficou a medida de interconexão de dados para combater a precariedade e a exigência de um registo diário dos trabalhadores em explorações agrícolas e estaleiros temporários na construção civil. Neste caso, a norma original foi adaptada e passou a prever um registo semanal e não diário.

Trunfos fora do baralho

Contudo, na sua intervenção, Ana Mendes Godinho, fez referência a várias destas medidas. A ministra sinalizou como "trunfos" da proposta do Governo normas como as alterações ao Código dos Contratos Públicos, o reforço dos poderes da ACT, a transparência da estrutura de custos de trabalho e a interconexão de dados para combater a precariedade.

A ministra destacou ainda que com esta proposta "regulamos pela primeira vez o trabalho nas plataformas, com a presunção de que todos são trabalhadores". Contudo, esta que era uma das medidas bandeira do Executivo foi, como o Expresso também já tinha sinalizado, aligeirada.

Na nova versão da proposta, o artigo relativo à presunção de laboralidade foi alterado, passando a prever que a existência de contrato de trabalho é presumida “quando, na relação entre o prestador de atividade e o operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere”, sejam identificadas algumas características.

A versão anterior definia que esta presunção era assumida entre o prestador de atividade (motorista) e o operador de plataforma digital. No caso dos estafetas, não existindo a figura do operador, teria de ser a plataforma a assumir o contrato de trabalho diretamente com o prestador de serviço. A nova versão da norma abre caminho a que também possa surgir a figura de um intermediário, desobrigando na prática as plataformas da integração desses trabalhadores.

Incongruências que José Soeiro, deputado do BE e o primeiro a intervir a seguir à ministra, não deixou escapar, acusando a ministra de falar de medidas que desapareceram da proposta final do Governo. Soeiro chamou também a atenção para outras diferenças entre as duas versões do diploma do Executivo, considerando que "a mais estrondosa é a que diz respeito às plataformas".

Segundo o deputado, "ao arrepio do que acontece noutros países, da diretiva europeia e do Livro Verde para o Futuro do Trabalho [que esteve na base desta proposta do Executivo], o Governo cedeu à ultima hora às plataformas, deresponsabilizando-as das suas responsabilidades laborais". Em causa está a já citada figura do intermediário, que qualificou como "um acrescento cirúrgico, mas explosivo".

Soeiro lembrou mesmo que uma das coordenadoras do referido Livro Verde, Teresa Coelho Moreira, admitiu em declarações à imprensa que "o que está no Livro Verde não é o que está na versão da proposta de lei que foi enviada para a Assembleia da República". E foi mais longe, sinalizando que foi acrescentada "uma parte na proposta de lei" que "não corresponde ao texto, nem sequer à intenção, do que estava na presunção de laboralidade prevista numa das linhas de reflexão para políticas públicas do livro verde".

Mais tarde, em resposta ao deputado, procurando justificar as diferenças entre as duas versões conhecidas da proposta, Ana Mendes Godinho destacou "que o processo foi discutido em sede de consulta pública" e que "tivemos capacidade de evoluir em relação à proposta inicial".

Governo sozinho na defesa da proposta

Foi com palavras fortes que Ana Mendes Godinho apresentou a proposta de lei do Governo considerando que é "uma das mais ambiciosas reformas da legislação laboral". Referiu que é uma "agenda forte e ambiciosa de que os jovens precisam e o país precisa". E que "responde a graves problemas que persistem no mercado de trabalho". A ministra lembrou que 62% dos jovens em Portugal têm contratos de trabalho não permanentes - um valor muito superior à média europeia -, e que nestes contratos os salários são em média 40% inferiores aos dos contratos permanentes.

Na resposta, André Ventura, líder do Chega, acusou o Governo de avançar com as alterações à legislação laboral, quando as anteriores ainda não foram aplicadas. O deputado referiu em concreto a taxa de rotatividade nos contratos precários, prevista na alteração ao Código do Trabalho de 2019, mas que ainda não viu a luz do dia.

Quanto a Diana Ferreira, do PCP, considerou que a proposta do Executivo "tem trabalho digno no nome, mas é só no nome". A deputada vincou que a proposta "mantém todos os cortes aos direitos e remunerações impostos nos tempos da troika".

Já Clara Marques Mendes, do PSD, apontou "vícios" a esta proposta de lei. Primeiro, não tem na sua base um acordo da concertação social. Segundo, fala de combate à precariedade, mas esta está a aumentar na Administração Pública. E terceiro, prima pela ausência de uma política de rendimentos. "Falo de salários e pensões. Num momento em que a inflação é altíssima, há claramente uma perda de poder de compra".

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cmateus@expresso.impresa.pt

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