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Inovar na energia: como e a que custo?

Tecnologia da Corpower deverá atingir maturidade comercial em 2024
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D.R.
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Inovar na energia: como e a que custo?

Miguel Prado

Jornalista

Quem, por estes dias, tiver tido a oportunidade de visitar a Lisbon Energy Summit não terá ficado muito surpreendido com a generalidade dos temas em debate, da transição energética à segurança de abastecimento, da diversificação de fontes de energia à digitalização, passando pela regulação e pelos mercados de carbono. E a inovação? O que pode, ou não, fazer pela descarbonização?

Entre os oradores convidados nesta primeira edição da Lisbon Energy Summit, António Vidigal, que esteve durante anos à frente da EDP Inovação, sublinhou que vê Portugal como “um laboratório vivo para a transição energética” e elencou alguns exemplos de inovação made in Portugal, como o parque eólico Windfloat Atlantic, alguns modelos pioneiros de carregamento ultra-rápido para veículos elétricos, as soluções de vehicle-to-grid (V2G) da Magnum Cap, as baterias da Addvolt ou a iluminação eficiente da Arquiled.

Uma análise à inovação portuguesa na energia correrá sempre o risco de ser incompleta (porque o leque de projetos, testes e ideias é grande), injusta (por destacar algumas iniciativas e não outras) e insuficiente (pois o quadro em que a inovação opera está em constante atualização, entre o fervilhante mundo das ideias e a complexa realidade de torná-las comercialmente viáveis).

De resto, uma passagem pela área de exposição da Lisbon Energy Summit (que voltará para o ano) mostra como falar de inovação no setor energético é lidar com uma diversidade de áreas potenciais de melhoria de produtos e processos. No espaço do certame, de um lado salta à vista uma réplica do enorme flutuador amarelo da Corpower para produzir energia das ondas (o que a empresa sueca fará ao largo de Viana do Castelo). De outro lado, um exemplar do sistema Virtu, desenvolvido pela britânica Naked Energy, para otimizar o aproveitamento da energia solar térmica.

Neste último caso, a Naked Energy, que já desenvolveu a sua solução há uns anos e está à procura de investidores, propõe um equipamento que combina pequenos painéis solares térmicos e fotovoltaicos que estão encapsulados dentro de tubos transparentes, com refletores que ajudam a aumentar a produção energética, promovendo, diz a empresa, um melhor aproveitamento do espaço.

Inovar, na energia como noutra área qualquer, é um risco. Em Portugal são bem conhecidos projetos que, por este ou aquele motivo, não triunfaram. A tecnologia de energia das ondas Pelamis começou a ser testada em 2008 ao largo de Aguçadoura, na região Norte do país, e lá permaneceu durante vários anos, até ser desinstalada. Em terra firme, a portuguesa Magpower, fundada em 2007, desenvolveu um equipamento para produzir energia solar, distinto dos tradicionais módulos de silício: a Magpower usava lentes para concentrar a radiação solar numa pequena célula, aumentando a produção de eletricidade. Mas essa tecnologia acabou por não convencer o mercado, perante a simplicidade dos convencionais e já massificados painéis fotovoltaicos.

Hoje, alguns dos quadros que fundaram a Magpower estão na Fusion Fuel, onde aproveitaram a ideia de energia solar concentrada lançada há mais de uma década, para a incorporar em pequenos eletrolisadores para produzir hidrogénio verde. A Fusion Fuel é hoje uma empresa cotada no Nasdaq, mas se por um lado vai somando anúncios de contratos, clientes e parceiros, por outro lado não viu ainda o seu resultado líquido sair do vermelho.

Não é de esperar que a inovação gere frutos (e resultados) imediatos. A plataforma de streaming de música Spotify, fundada em 2006, só no início de 2019 reportou o seu primeiro lucro trimestral. E muitos outros casos similares poderiam ser citados. Não é, portanto, uma questão específica do mundo da energia.

Mas não deixa de ser interessante refletir sobre que inovação é desejável num mundo tão agitado como o da energia, que no último par de anos confrontou a Europa com uma urgência de ação sem precedentes. A invasão da Ucrânia pela Rússia levou os decisores europeus a um compromisso de redução do consumo de gás russo, o que implicou, num certo sentido, uma capacidade de inovação na própria gestão da energia: vários países rapidamente tomaram a decisão de contratar plataformas flutuantes para poderem importar gás natural liquefeito; e a Comissão Europeia avançou com uma central de compras de gás (cuja eficácia está ainda por avaliar).

No passado, Portugal já teve um Fundo de Apoio à Inovação (FAI), criado em 2008 com verbas das empresas que ganharam os primeiros concursos eólicos. Este instrumento foi financiando diversos projetos de investigação e desenvolvimento (I&D) ao longo de vários anos, até ser extinto em 2021, altura em que o Fundo Ambiental já operava como um super-fundo para distribuir dinheiro pelas mais diversas finalidades associadas à descarbonização e proteção do ambiente e da natureza. Recentemente, a “bazuca” do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) encarregou-se de oferecer largos milhões de euros a projetos inovadores das chamadas “Agendas Mobilizadoras”, procurando agregar empresas e academia no desenvolvimento de novas soluções para a economia portuguesa (em várias áreas, incluindo a energia).

Mas, além da subsidiação de tecnologias ainda pouco maduras (como os eletrolisadores), será especialmente interessante olhar para o capital de risco, e como as grandes empresas abordam o tema da inovação. Entre as dezenas de empresas apoiadas pela EDP Ventures (o braço de capital de risco do grupo EDP) há múltiplos casos de startups que de algum modo procuraram inovar e trazer ao mercado ideias, métodos e produtos que podem fazer a diferença. É o caso da portuguesa BladeInsight (criada em 2015 como ProDrone), que veio propor o uso de drones para a manutenção de torres eólicas. Ou da Green Li-Ion, de Singapura, com uma solução de reciclagem de baterias. Por cá, também a Galp, através da Galp Upcoming Energies, tem procurado apoiar projetos inovadores que possam fazer a diferença na transição energética, e ainda em abril firmou um protocolo com a Universidade Nova de Lisboa precisamente para estimular a inovação virada para a descarbonização.

Esta é uma área estimulante, que pode trazer-nos nos próximos anos soluções que mudarão a forma como consumimos energia. A digitalização ajudar-nos-á a aceder às ofertas comerciais mais vantajosas a cada momento, sem precisarmos sequer de andar à procura dos tarifários mais baratos de eletricidade e gás natural. Também permitirá que o consumidor seja parte ativa da gestão da rede elétrica, contribuindo para uma resposta flexível da procura, estando disponível para ficar “às escuras” em determinados períodos críticos para a rede, mediante uma contrapartida. Já imaginou, por hipótese, que o seu fornecedor de eletricidade o “convide” de manhã para à noite ir ao cinema, oferecendo-lhe 50% de desconto no bilhete, de forma a não estar em casa durante um par de horas, nas quais a potência da habitação será reduzida ao mínimo, porque isso equilibrará a rede e evitará recorrer temporariamente a centrais elétricas muitíssimo mais caras?

Todavia, vale a pena refletir sobre os reais benefícios de uma contínua corrente de ideias e propostas. Usando um lugar comum, “não precisamos de estar sempre a tentar reinventar a roda”. Olhemos para a indústria eólica. Há dias, na conferência Floating Wind Days, na Noruega, um dos vice-presidentes da gigante Shell, Thomas Brostrom, admitia que no mercado das eólicas flutuantes para águas profundas “a questão é conseguir baixar o custo o mais rápido possível”, mas salientava também que o setor se tem confrontado com contínuas mutações das tecnologias à disposição.

Como todos os anos vários fabricantes vão anunciando turbinas mais potentes, todos os anos o mercado vai conhecendo torres para eólicas offshore mais altas, pás maiores (já maiores, na verdade, do que um campo de futebol, de baliza a baliza), flutuadores cada vez mais gigantes. Se isso tem um mérito (produzir mais eletricidade em cada torre no mar), traz também um desafio: “cada vez são precisos navios maiores”, comentou Thomas Brostrom na conferência, onde defendeu que “é preciso estabilizar e padronizar as soluções” (na edição desta sexta-feira do Expresso poderá ler mais sobre o assunto). “Talvez estejamos a ir demasiado rápido [na oferta de novas soluções para eólicas offshore], essa é uma preocupação que tenho”, declarou o gestor da Shell. E nessa ideia foi acompanhado por Siri Kindem, a diretora da Equinor Renewables na Noruega: “Deve haver uma padronização das soluções flutuantes”.

Este será um desafio, pois empresas como a Principle Power (detida pela Ocean Winds, joint venture da EDP e da Engie) não quererão deixar de vender a tecnologia que desenvolveram durante anos e que acreditam ser a melhor para o mercado das eólicas flutuantes. Cada fabricante de flutuadores para eólicas no mar defenderá, afinal, os méritos do seu esforço de I&D.

Enquanto a indústria eólica offshore não ganha escala a nível global, a cadeia de fornecedores será habitada por um vasto número de empresas que irão procurar introduzir no mercado os conceitos nos quais andam a trabalhar há largos anos. Mas provavelmente só algumas dessas soluções acabarão, de facto, por ser bem sucedidas.

O campo de reflexão é amplo e a verdade é que sem puxar pela capacidade das mentes mais engenhosas a transição energética ficaria mais pobre. E, por isso, continua a fazer sentido estimular o espírito de inovação. É, aliás, o que a Comissão Europeia propõe no âmbito da European Sustainable Energy Week, a realizar este mês, e na qual irá premiar várias iniciativas. Um dos prémios é justamente sobre inovação. E Bruxelas convocou os cidadãos europeus a votar no seu projeto preferido. Um é o parque solar flutuante de Alqueva, outro é um programa para reduzir a pobreza energética, e um terceiro é um ferryboat totalmente elétrico. Todos eles receberam financiamento comunitário.

Para muitos, a subsidiação de projetos imaturos, embrionários, longe de provar a sua viabilidade comercial, é um erro, que onera os consumidores e contribuintes. Para outros, essas subvenções são importantes porque ajudam empresas e universidades a dar os passos iniciais no teste de ideias e conceitos que poderão fazer a diferença amanhã. Definir o nível razoável de subsidiação de ideias, projetos ou produtos ditos inovadores é um debate tão ou mais desafiante do que pedir ao cliente de energia para reduzir o seu consumo porque a rede precisa. Mas em ambos os casos estaremos perante situações tão desafiantes quanto necessárias.

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