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“É vergonhoso”: eurodeputados não poupam presidente do Conselho no caso “sofagate”

“É vergonhoso”: eurodeputados não poupam presidente do Conselho no caso “sofagate”
Anadolu Agency/Getty Images

Há quem aposte que (mais) este erro de Charles Michel será o fatal e poderá mesmo custar-lhe a recondução no cargo. Episódio demonstra “desprezo e humilhação” da UE, tal como aconteceu recentemente na Rússia

Paula Freitas Ferreira

Dois homens estão a ser duramente criticados pelos eurodeputados após o episódio diplomático desta quarta-feira na Turquia e que já foi apelidado de “sofagate”. Um é o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o outro o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. O caso em que a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen ficou sem cadeira durante uma reunião no palácio de Ancara está a ser mais nefasto para o presidente do Conselho do que para Erdogan e poderá representar o fim da linha no que diz respeito à recondução no cargo.

“Há duas dimensões muito negativas [neste episódio]: a primeira é que existe uma intenção de desprezo ou de humilhação da União Europeia por parte de Erdogan - acho que a atitude é claramente intencional -, e a segunda é a dimensão europeia e que diz respeito à inabilidade total e à falta de verdadeira liderança de Charles Michel”, considera o eurodeputado Paulo Rangel.

O representante do PSD no Parlamento Europeu publicou na quarta-feira um tweet em que mostrava a diferença no protocolo noutras reuniões em Ancara, quando o presidente da Comissão era um homem e não uma mulher, e em que manifestava apoio a Von der Leyen. Nas imagens existem sempre três cadeiras, o que não aconteceu na quarta-feira quando só Erdogan e Michel tiveram lugar de destaque na reunião, numa clara violação do protocolo.

“Este caso é vergonhoso”, considera a eurodeputada do PS Maria Manuel Leitão Marques. Chocada com o episódio, ao Expresso diz que gostaria de ter visto a presidente da Comissão abandonar a reunião, embora perceba que fosse difícil reagir no momento. “Provavelmente, eu faria o mesmo, compreendo que numa situação que surpreende exista sempre a dificuldade diplomática de avaliar o custo e o benefício de uma atitude dessas”, avalia a eurodeputada.

A eurodeputada não perdoa o ato falho de Charles Michel. “O que eu não consigo perceber – mas espero que ele vá explicar ao Parlamento – é que o presidente do Conselho Europeu não lhe tenha dado o lugar”.

Para Paulo Rangel, o “sofagate” não foi um acidente ou uma falha no protocolo, mas “claramente uma posição de Erdogan que terá sido aceite pelo Presidente do Conselho Europeu. Charles Michel tem aqui uma situação que em termos políticos vai ser muito complicada de sustentar, exatamente porque tem essa dupla leitura – a questão do protocolo e a questão da igualdade de género”, afirma.

Von der Leyen, uma “mulher valente” na defesa da igualdade de género

E esse ponto, tratando-se de Ursula von der Leyen, é crucial, no entender de Maria Manuel Leitão Marques. “Devo reconhecer que a presidente da Comissão Europeia tem sido uma mulher valente na defesa da igualdade na própria Comissão, nas orientações que ela dá aos comissários e às comissárias para constituírem as suas equipas e nomearem os dirigentes e nos seus discursos no Parlamento”, considera a eurodeputada.

Sobre o abandono da Convenção de Istambul pela Turquia, pouco tempo antes da reunião que deu origem a este episódio diplomático, se Rangel considera que não se pode dissociar o contexto, uma vez que o tratado combate precisamente a violência contra mulheres, a eurodeputada admite que essa ligação possa acontecer. Mas não só. “Existe ainda o precedente da Rússia, e sendo a presidente da Comissão uma mulher essas especulações podem ser feitas”.

“O que aconteceu é algo à imagem do que o ministro Lavrov fez com o alto representante Borrell”, alinha pelo mesmo diapasão Paulo Rangel. Em causa está o que aconteceu na Rússia há dois meses, quando o chefe da diplomacia europeia foi humilhado durante a visita a Moscovo.

“Falha grave” e “provocação” considera eurodeputado Nuno Melo

Também Nuno Melo, eurodeputado do CDS, considera que, “do ponto de vista institucional, a subalternização por parte de Erdogan da presidente da Comissão Europeia relativamente ao presidente do Conselho é obviamente uma falha grave”, acrescentando que é difícil saber se o episódio se deve “a uma perceção errada dos turcos, acerca da prevalência da representação da UE por parte do concelho - porventura pela lógica intergovernamental -, ou a uma discriminação sexista”.

Contudo, não deixa de considerar “sintomático, e até provocatório, que o incidente tenha ocorrido quando se pretendia discutir matérias relacionadas com os direitos das mulheres na Turquia”. Nuno Melo não deixa passar a atitude do presidente do Conselho em branco. “Do lado europeu, é igualmente grave que Charles Michel tenha aceitado reunir nestas condições, prestando-se a um papel lesivo da imagem da Comissão Europeia, e em particular da sua presidente, ponderado até o tema em discussão”.

“O mínimo que se exigia do presidente do Conselho seria que se recusasse a participar na reunião nestes termos, ou enquanto a situação não fosse corrigida”, reforça Nuno Melo.

A Comissão Europeia assumiu, na quarta-feira, o descontentamento com o tratamento diplomático reservado à presidente Von der Leyen na reunião em Ancara, tendo o porta-voz da instituição defendido que "a presidente deveria ter sido tratada exatamente da mesma maneira que o presidente do Conselho. Já quanto à atitude de Charles Michel, que nas imagens é visto a ocupar o seu lugar ao lado de Erdogan e a estender as pernas enquanto Von der Leyen abria os braços em jeito de interrogação, o porta-voz da Comissão escusou-se a tecer comentários.

Charles Michel reagiu, entretanto, reconhecendo que "as poucas imagens que foram divulgadas deram a impressão" de que "teria sido insensível a esta situação", mas recusou ter tido essa intenção, invocando os seus "sentimentos profundos" e "princípios de respeito essenciais".

"Apesar de uma vontade manifesta de fazer bem, a interpretação estrita pelos serviços turcos das regras protocolares produziu uma situação desconcertante: o tratamento diferenciado ou mesmo desconsiderante da presidente da Comissão Europeia", afirmou Michel, citado pela agência Lusa.

Não convence, no entanto, os eurodeputados. “Devia ter-se levantado da cadeira e oferecido o lugar à presidente da Comissão – era uma bofetada de luva branca. Fico à espera das suas explicações”, remata Maria Manuel Leitão Marques.

A resposta do PCP chegou por escrito e assinada pela eurodeputada Sandra Pereira. “Independentemente da constatação de que nem o Presidente do Conselho Europeu, nem a Presidência do Conselho da União Europeia, nem a Presidente da Comissão Europeia, representarem um Estado – a União Europeia não é um Estado –, e para além do esclarecimento de quem foram os responsáveis pelo protocolo e das opções nele tomadas, o que é essencial conhecer e debater são o conteúdo das negociações e as eventuais decisões adotadas, nomeadamente quanto ao fim da ilegal ocupação de parte do território da República de Chipre pela Turquia ou ao acordo da UE com a Turquia relativamente ao impedimento de entrada na UE de refugiados das guerras de agressão promovidas pelas potências da NATO, entre outros importantes temas.

O Expresso pediu também uma reação a Marisa Matias, eurodeputada do BE, mas, até à publicação deste artigo, não obteve resposta.

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