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Opinião

Não há campus grátis

Dificilmente a Nova SBE poderia dizer o oposto do que disse num estudo sobre as rendas da EDP, que é seu mecenas. Essa limitação condena o saber que devia alimentar o poder público, o rigor da informação que é veiculada pela imprensa e a formação dos quadros que tomarão. O incómodo com os artigos de Susana Peralta apenas revela o ponto a que os limites impostos pela mercantilização das universidades públicas chegou

No imaginário da direita conservadora, as universidades estão, como nos anos 60, dominadas pela esquerda, prontas para formar exércitos de “antifas” e relativistas culturais que querem reescrever a História e nacionalizar a economia. Mas depois da peregrina tese do “marxismo cultural”, que só prova que já ninguém ensina Marx nas faculdades, há a realidade.

Há, como é evidente, cursos onde o pensamento de esquerda será dominante. Hoje, ao contrário do que acontecia no passado, talvez isso seja verdade em antropologia e em algumas áreas da História. Em geral, em cursos que ainda interessam pouco ao mercado. Mas no que lhe interessa, que é o que interessa hoje à política, a insinuação de tal domínio é até contraintuitiva. E isso é evidente nas faculdades de economia e gestão, as que mais determinam as grandes escolhas políticas.

O pensamento único e ortodoxo e a quase ausência do ensino de História do pensamento económico permitem que um aluno de economia chegue ao fim da licenciatura sem quase nunca ter ouvido falar noutras correntes que não a dominante. Os que conhecem Keynes, ficam pela interpretação que é feita pelo mainstream. De Marx, nem ouvem falar. A generalidade dos economistas é ignorante em relação ao pensamento económico e, por isso, ignorante em relação à História e, por isso, ignorante em relação à Economia. E não apenas em relação ao passado, mas em relação ao que hoje mesmo desafia a ortodoxia económica. Uma ortodoxia que é lhes é vendida como a única abordagem científica à Economia. O resto é ideologia. Isto tem uma razão profunda: a liberdade académica foi capturada. E tem consequências: o Estado, a sociedade e as empresas foram limitadas na sua capacidade de fazer escolhas. O monolitismo e falta de pluralismo do pensamento económico é transposto para as instituições e para os media, afunilando o debate e limitando a democracia. E isto tanto acontece nas universidades privadas como nas públicas.

Não há qualquer diferença entre a esquerda e a direita na vontade de dominar a academia. Assistimos, em alguns sectores de algumas ciências sociais, a uma quase asfixia da dissensão académica. A aversão à divergência em estruturas fortemente hierarquizadas é transversal. A diferença, neste caso, é onde está o dinheiro. E a mercantilização da academia tornou esse no elemento mais determinante nos limites à liberdade e pluralismo académicos.

Nas poucas universidades públicas que não cederam a esta mercantilização – melhor seria dizer nos poucos cursos ou faculdades que, por não terem um produto apelativo para o mercado não o puderam fazer –, o poder do Estado para limitar a liberdade académica é praticamente nulo. Mesmo a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) segue, apesar de tudo, critérios mais transparentes, por via dos júris. Nas universidades onde o mercado dita as prioridades científicas o dinheiro determina grande parte das escolhas. E o dinheiro tem cor. Nenhum empresário está interessado em quem se dedica a estudar o sindicalismo ou alternativas que, de alguma forma, limitem o seu próprio poder. E é natural que não esteja.

Não se morde a mão de quem paga

Mesmo as universidades públicas transformaram-se num negócio, graças à “bondosa” ideia de integrar a “sociedade civil” (as empresas) nos seus conselhos e a uma filosofia de gestão totalmente privada – foi para isso mesmo que as fundações serviram.

O exemplo máximo e mais vanguardista deste espírito é Nova School of Business and Economics (Nova SBE) – sim, é uma universidade pública portuguesa de onde o português foi quase banido, porque assim dita a competição no mercado académico global. O seu campus, construído à beira da praia para atrair o turismo académico, foi quase integralmente pago por mecenas. E isso é apresentado como um exemplo engenhoso para que outras instituições académicas deviam olhar. Os mecenas viram salas com os seus nomes. Mas, lamentavelmente, o preço não é só alimentar o ego da família Soares dos Santos. Como diriam os neoliberais, não há campus grátis.

No ano passado surgiu até um escândalo por dois professores da Nova SBE terem feito, como tal, um estudo onde se queria demonstrar que a EDP não recebia rendas excessivas. Estudo que agora até foi usado na defesa judicial de António Mexia e colegas. Problema? A EDP, que foi quem encomendou o estudo, é, ela própria, mecenas da SBE. Estava posta em dúvida, de forma absolutamente legítima, a credibilidade e independência do estudo. Pode mesmo dizer-se que o seu valor é nulo e foi assim que foi visto por todos.

A colunista incómoda

Na semana passada soubemos, através da “Sábado”, de outro episódio que, apesar de menos grave nas suas consequências, é mais revelador do que se passa naquela que é vista, por muitos, como o modelo a seguir pelas restantes instituições académicas. O Conselho de Catedráticos, primeiro, e o Conselho Restrito de Catedráticos e Associados, depois, mostraram incómodo por uma professora associada que escreve no “Público” assinar os seus artigos identificando-se como professora da Nova SBE. Mesmo que aleguem que o seu nome nunca foi referido, Susana Peralta é a única professora associada que escreve uma coluna regular e que assina, como muitos outros académicos de outras instituições, desta forma.

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