Opinião

A Conferência sobre o Futuro da Europa: mais uma oportunidade para aproximar a União Europeia dos seus cidadãos

No dia 9 de maio foi inaugurada com pompa e circunstância a Conferência sobre o Futuro da Europa. Andreia Soares e Castro, doutorada em Relações Internacionais pelo ISCSP-Universidade de Lisboa, considera que a iniciativa é muito bem-vinda, por incluir os cidadãos neste processo de reflexão, mas não espera que ela seja a solução para todos os problemas nem que esteja na origem de grandes revoluções, já que as derradeiras decisões sobre o futuro da União Europeia continuarão nas mãos dos Estados

Andreia Soares e Castro

Dia 9 de maio celebrou-se mais um dia da Europa, e já lá vão 71 anos desde que a Declaração Schuman criou as primeiras fundações do projeto europeu e daquilo que hoje conhecemos como União Europeia (UE). Devemos aos líderes de então, e aos subsequentes até aos de hoje, as escolhas que proporcionaram e continuam a proporcionar muitos benefícios, a começar pela paz, segurança, liberdade e direitos fundamentais na Europa, que muitas vezes damos por garantidos, e não como necessários, e que continuam a explicar as razões pelas quais devemos continuar a defender este projeto.

Mesmo vivenciando uma crise sem precedentes, a pandemia da Covid-19, e a crise económica e social associadas, continuamos a ter razões para celebrar a UE. Por necessidade, para enfrentar a pandemia e as suas consequências, as instituições da UE e os governos nacionais, adotaram medidas históricas, porque inéditas. O Plano de Recuperação para a Europa com subvenções não reembolsáveis, o endividamento da Comissão Europeia nos mercados financeiros, a reorientação dos fundos da política de coesão e do Fundo Europeu de Solidariedade, as intervenções maciças do BCE, a criação de um fundo da UE para apoiar os regimes nacionais de desemprego (SURE) ou a estratégia da UE em matéria de vacinas (que inclui a exportação de vacinas para o resto do mundo) são exemplos do valor acrescentado da UE, ilustrando que a escolha da ação coletiva continua a fazer sentido e a ser válida ainda hoje.

Isto apesar dos problemas serem diferentes dos de há 71 anos atrás. Mas como dizia Jean Monnet (1974): “o método permanece o mesmo”, ou seja, a partilha de soberania e a procura de soluções coletivas para os problemas comuns. De facto, à escala global, individualmente, cada um por si, os Estados são irrelevantes. A pandemia é um exemplo claro que nenhum país estava preparado para enfrentar este problema sozinho. Só a integração num grande espaço como a UE faz a diferença e concede a relevância necessária para influenciar o mundo globalizado.

O dia foi também ocasião para o lançamento, em Estrasburgo, da Conferência sobre o Futuro da Europa, a primeira do género enquanto grande exercício democrático pan-europeu, que pretende ouvir e dar mais voz aos europeus sobre aquilo que esperam e querem da UE. Será uma iniciativa para seguir com interesse, em especial os seus resultados concretos, visando influenciar os governos nacionais, que são os últimos responsáveis pelas escolhas e decisões de reforma da UE.

Líderes nacionais e instituições como o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia têm estado envolvidos no debate sobre o futuro da UE, que tem estado na agenda política europeia, particularmente desde o «Brexit». Isto para não recordar todo o processo de reforma pós-Nice iniciado em 2001, que levou à adoção de um Tratado Constitucional, que foi chumbado em referendo por franceses e holandeses, e que culminou na assinatura do Tratado de Lisboa em 2007, a última revisão dos Tratados. Desde então, o projeto europeu já passou por uma série de crises – das dívidas soberanas, dos refugiados, do iliberalismo, do «Brexit» e da COVID-19 – provando uma enorme resiliência e adaptabilidade, assente na lógica gradualista dos “pequenos passos” e em compromissos possíveis entre os Estados, mas sem ter originado novo processo formal de revisão dos Tratados, considerado um assunto tabu e demasiado arriscado em virtude da falta de unanimidade sobre aquilo que a UE deve ser e fazer.

A Conferência sobre o Futuro da Europa, que ambiciona reinventar a participação política dos cidadãos, reforçando as bases democráticas da União, é, neste sentido, mais uma oportunidade para refletir sobre as respostas que têm sido dadas quer pelos Estados-membros a nível individual, quer a nível coletivo, via UE, debatendo em que áreas é necessário mais intervenção da UE e traduzindo em recomendações concretas aquilo que são as expectativas dos cidadãos.

A questão da clarificação das competências da UE foi sempre uma questão central, tal como continua a sê-lo ainda hoje. A resposta à pandemia provou os limites da cooperação intergovernamental, fazendo todo o sentido que a UE tenha maiores competências ao nível da resposta a situações de emergência, como no caso das ameaças sanitárias transfronteiriças. Entre muitas outras questões e problemas a debater, é também preciso saber responder ao desafio geopolítico, reforçando a soberania europeia, afirmando os valores e princípios fundamentais, como a democracia e a liberdade, que desde sempre caracterizaram o projeto europeu.

A Conferência, apesar do calendário curto (está previsto que conclua durante a Presidência francesa da Conselho da UE no 1º semestre de 2022) é, assim, mais uma oportunidade para promover a Europa, inserindo-se na interminável tarefa de “aproximar a UE dos seus cidadãos”, num projeto inspirado e impulsionado pelas elites políticas, com uma fraca participação dos respetivos cidadãos. Contudo, não há bala de prata que, de repente, consiga tornar a UE mais próxima e reconhecida pelos cidadãos europeus, porque a UE não é um superestado. Apesar das sucessivas medidas de reforço da democracia participativa ao nível da UE, a responsabilidade primeira começa na relação que cada cidadão nacional tem como o seu governo nacional e parlamento nacional em matéria de política europeia.

Assim, não se espere que a Conferência seja a solução para todos os problemas da UE nem que esteja na origem de grandes revoluções. A UE é e será sempre aquilo que os Estados-membros quiserem que ela seja, será sempre o resultado do compromisso possível entre diferentes ideias de União e de diferentes posicionamentos na e para com a UE e da negociação permanente entre todos e, se tal não for possível, vislumbra-se a possibilidade de mais diferentes velocidades, de cooperações reforçadas para aqueles que pretendam ir mais longe, tal como já acontece hoje com Schengen e com o euro.

Mas se a vontade política dos Estados é essencial na definição das futuras prioridades, políticas e recursos da UE, os cidadãos via respetivos governos e parlamentos nacionais também têm um papel importante: não só ao exigirem que as recomendações resultantes da Conferência sejam tidas em conta, mas também que os fundos europeus sejam bem aplicados, servindo os seus interesses e não interesses específicos, que sirvam para gerar valor e prosperidade, e para apoiar a necessária transição digital e ecológica, essencial para o seu futuro. Só assim os cidadãos compreenderão melhor o valor acrescentado da UE nas suas vidas quotidianas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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