Ayres Carneiro da Silva

O amor nunca perde a memória.

A matriarca (na foto) adoeceu. Alzheimer. E de uma enorme família de filhos, netos e bisnetos, o único de quem ainda tem sempre memória é o companheiro (na foto) de há 60 anos. “Onde é que está o senhor Ayres?”, pergunta. Ele está sempre. Tomou a si a missão de cuidar do seu amor. E todos os dias, sai de casa e volta com um ramo de flores. Quando não são rosas, são morangos. Um mimo, um abraço apertado. “Ela é como uma criança. Agora preciso de cuidar dela”, diz.

 

O amor nunca perde a memória. Ayres

A matriarca adoeceu. A memória começou a dar sinais de fraqueza há cerca de quatro anos e hoje, com 79 anos, a doença foi confirmada. Alzheimer é a justificação para perguntas como: “o que estão a fazer aquelas mulheres no meu quarto?”. Conta-nos com voz embargada, Paula Ayres, uma das três filhas que ajudam nos afazeres da casa patriarcal e cuidam da mãe à vez. Ao todo, são quatro filhos, oito netos e o sétimo bisneto a chegar. Uma família longa e unida pelo amor de um casal que se abraça há 60 anos.

Ayres Carneiro da Silva dispensa apresentações. Prestes a fazer 90 anos, é um dos mais famosos alfaiates do Porto. Vestiu António de Oliveira Salazar, vestiu banqueiros, políticos e apreciadores de alta costura. Correu mundo para conhecer a alfaiataria mundial e o neto, Ayres Gonçalo, 38 anos, seguiu-lhe o gosto e os passos. Já vestiu o Príncipe Carlos, fundou a Ayres Bespoke Tailor, e aprendeu muito do que sabe com o avô.

“O meu pai sempre trabalhou muito. Sempre teve muita energia. Ainda hoje diz que vai abrir uma loja”, conta-nos a filha Paula Ayres. Mas o foco do “senhor Ayres”, como lhe chama a sua mulher, é agora outro. A sua prioridade chama-se Maria Odete. A mulher que sempre tanto protegeu precisa hoje, mais do que nunca, de proteção – diz o alfaiate à família.

Paula suspira fundo. Fala-nos da forma como o pai aconchega todas as noites a mãe, ao deitar. Fala-nos dos ramos de flores que nunca faltam. E conta-nos como a história tem inspirado a família. O seguinte texto é de Francisca, a neta que cresceu a admirar o seu “casal preferido”.

Que linda estória de amor.

 

Avós.
O meu casal preferido.
60 anos de uma das mais bonitas histórias de amor, repleta de paixão, sacrifício, humor, resistência  e devoção.

Há 60 nasceu um casal  e com eles uma família poderosa nas emoções, nas vibrações e sobretudo nas  multiplicações (de alegrias, preocupações, pessoas e situações)!

Ele costurava os melhores fatos do mundo, ela fazia um cozido à portuguesa sem igual.

O almoço era às 12h45 , o jantar às 19h45. Quem não está, não faz falta, “porque a vida, meus meninos, foi feita para ser pontual“. Os dois estavam sempre, em lugares rigorosamente marcados (nas definições e nas situações).

As camas mudam-se à sexta-feira, as camisas dão-se a ferro às terças, ao talho vai-se à quinta, as férias marcam-se de um ano para o outro, o bolo rei só se encomenda na confeitaria petulia.

Ela definia, ele cumpria.

Eles iam para o mesmo camarote do estágio das Antas,  porque sem ela, o Porto não ganhava (ela ficou mais portista que ele).

Eles iam para o Algarve as cinco da manhã , para chegarem às 13h em ponto (ele conduzia o carro mas ela é que sabia o caminho).

Eles tinham (e continuam a ter, os que cá estão) uns amigos ímpares cheios de dedicação .

Iam juntos a Milão (mas acho que ele não a deixava escolher a coleção)!!!

Eles são a primeira geração de quatro filhos, oito netos e (quase sete bisnetos) cheios de orgulho no coração.

Hoje a memória dela está apagada e a única pessoa de quem nunca se se esquece é dele. 

Ela está aqui no canto esquerdo do sofá da sua casa (este t5 duplex que nos recebe sempre neste modo pensão palácio – como ela sempre fez questão de lhe chamar); ele está sentado ao lado dela (foca o olhar e comove-se) , mas com a pressão de que se tem que levantar. Afinal ele ainda tem uma eterna missão: protegê-la .

Traz-lhe fruta e flores, dá-lhe a mão e eterniza este abraço.

Ela ri-se.
O amor nunca perde a memória.

(Francisca Ayres, neta de Ayres Carneiro da Silva) 

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