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Brasil

Governo admite falta de recursos para projetos contra aquecimento global

Ministério do Meio Ambiente avaliará prioridades e reivindicará financiamento na Conferência do Clima
Marcas da crise hídrica de 2014 na Represa de Atibainha em Nazaré Paulista (SP) Foto: Michel Filho/4-11-2014
Marcas da crise hídrica de 2014 na Represa de Atibainha em Nazaré Paulista (SP) Foto: Michel Filho/4-11-2014

RIO — Em meio a críticas da comunidade científica de que os governos não estão se esforçando para combater o aquecimento global, Everton Lucero, secretário de Mudança do Clima e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, assegura: o Brasil calculou precisamente como deve agir nos próximos anos. Os indicadores são conhecidos, os planos de ação foram apresentados, mas há uma importante restrição: falta dinheiro. Por isso, Lucero admite que o país pode reivindicar recursos na Conferência do Clima de Bonn (COP-23), alegando que suas iniciativas, como a preservação da Amazônia, beneficiam o mundo inteiro - portanto, nada seria mais justo do que rachar a conta. Em entrevista ao GLOBO, o secretário elogia o interesse crescente da iniciativa privada na causa ambiental e defende o governo de críticas que atingiram recentemente a pasta, como um levantamento que denunciou o aumento das emissões de gases-estufa no país.

A ONU divulgou um relatório alertando que as propostas apresentadas pelos governos para reduzir a emissão de gases-estufa não limitará suficientemente o aquecimento global. O Brasil está preparando para assumir compromissos mais ambiciosos?

Nossa meta é a única compatível para que o aquecimento do planeta seja inferior a 2 graus Celsius. Estamos dentro da linha prevista no Acordo de Paris. É hora de outros países apresentarem este engajamento. Vamos aumentar os compromissos nacionais ao longo do tempo, pois o Acordo prevê que as nações revisem seus projetos a cada cinco anos. Já sabemos como nos portar até 2025, e temos uma ação preliminar para 2030. Mas atualmente a maior preocupação do governo é descobrir como implementar aquilo que prometemos, e não rediscutir constantemente os índices que foram apresentados.

De que forma ocorrerá esta implementação?

Preparamos uma articulação com diversos ministérios e áreas da economia. Aquelas que mais contribuem para as emissões de gases-estufa são a energia - incluindo os transportes —, a agropecuária e as florestas — ou seja, o combate ao desmatamento e à degradação da vegetação. No ano passado, na Conferência do Clima de Marrakesh (COP-22), convidamos o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que é nosso canal de diálogo com a sociedade, para conduzir uma série de estudos setoriais. Nesta semana, recebemos sugestões de ações que o governo deve tomar. Agora, precisamos analisá-las e montar estratégias.

O governo tem recursos para tirar as propostas do papel?

Este é o grande nó. São planos que envolve 11 áreas. Não temos como financiar todas as iniciativas sobre o clima com recursos públicos. Como não dá para fazer tudo ao mesmo tempo, vamos eleger prioridades, como combater a crise hídrica. Daí vem a importância da Conferência de Bonn: não condicionamos o cumprimento de nossas metas à chegada de recursos internacionais, mas não renunciaremos a eles. Devemos lembrar que a proteção da Amazônia, a manutenção de sua biodiversidade e de seu ciclo hídrico são um valor difuso para o planeta inteiro. Portanto, se todo o mundo se beneficia dessa iniciativa, vamos sensibilizar os participantes da convenção para que façam um pagamento por estes serviços ambientais.

Mas as conferências climáticas costumam priorizar o financiamento aos países mais pobres, e não ao Brasil, que é uma das maiores economias do mundo.

Não tenho nada contra isso. De fato, o apoio deve ser maior aos países menos desenvolvidos. Mas as ações de mitigação terão muito um efeito global muito maior se a verba for destinada aos grandes poluidores do planeta, como Brasil, China e Índia. Acredito que as nações menores precisam de projetos de adaptação para reduzir o impacto ligado às mudanças climáticas. Mitigação e adaptação são fatores diferentes.

Além do auxílio internacional nas negociações da COP-23, o que mais pode ser feito?

Precisamos recorrer a parcerias. A Alemanha, por exemplo, nos ajudou a fazer um levantamento sobre a vulnerabilidade de nossas cidades às mudanças climáticas. Mas é importante que os riscos relacionados aos eventos extremos não sejam encarados apenas como despesas. Por exemplo, se uma empresa construir uma barragem sem levar em conta o que ocorrerá no meio ambiente daqui a 20 anos, sua infraestrutura terá uma vida útil encurtada. Se prestar atenção no que acontecerá à sua volta, aumentará a eficiência energética do projeto. Portanto, muitas dessas ações geram uma compensação financeira no futuro.

A iniciativa privada tem demonstrado interesse no combate às mudanças climáticas?

Sim, diversos setores sinalizaram que querem contribuir com o governo. O agronegócio, por exemplo, pode ser afetado se nada for feito contra as mudanças climáticas, já que depende de fenômenos naturais como a regulação de recursos hídricos. A indústria química nos acompanhará na COP, porque quer conhecer maneiras para reduzir a emissão de poluentes.

Manifestantes vestidos de ursos polares e com a máscara do presidente americano Donald Trump em Bonn (Alemanha) Foto: WOLFGANG RATTAY / REUTERS
Manifestantes vestidos de ursos polares e com a máscara do presidente americano Donald Trump em Bonn (Alemanha) Foto: WOLFGANG RATTAY / REUTERS

Como a conferência será afetada pela falta de apoio dos EUA ao Acordo de Paris?

Esta será a primeira COP após o anúncio de que os EUA deixarão o acordo. Então, não há como antecipar como será sua postura. Mas toda a comunidade internacional tem reiterado que a implementação do Acordo de Paris é irreversível, e que suas ações continuarão, independentemente do isolamento de um ou outro país. Vale lembrar que estamos promovendo oportunidades para o desenvolvimento sustentável, gerando empregos qualificados. Quem incentiva a energia solar, por exemplo, cria uma indústria com melhores salários e maior arrecadação. A motivação é ambiental, mas o impacto é econômico.

Mesmo diante da crise econômica, o Ministério do Meio Ambiente enviará 31 pessoas à COP, acarretando gastos significativos em passagens aéreas e hospedagens, entre outras despesas. Precisamos de uma equipe tão grande?

Há uma demanda constante para que o Brasil exerça um papel de liderança na conferência. Isso significa acompanhar as negociações em todos os temas, e para isso precisamos de uma grande equipe. Se não, teremos uma participação tímida. Criamos um espaço institucional onde o ministério realizará 60 eventos ao longo de duas semanas, então devemos ter pessoas para administrá-lo. Além disso, temos um grupo que dá subsídios técnicos aos negociadores do Itamaraty.

Ainda assim, trata-se de um aumento expressivo em relação a conferências mais importantes. Na COP-21, onde foi criado o Acordo de Paris, o ministério enviou menos de 15 pessoas para a França.

Sim, e recebemos muitas críticas porque nossa presença institucional foi inexistente. O ministério só alugou uma salinha para apoio à ministra (Izabella Teixeira). Não era suficiente para receber os brasileiros que passaram pela COP - foram mais de 600 pessoas de todas as instâncias governamentais, representantes de ONGs, políticos e empresários.

O Brasil recebeu críticas internacionais quando foi apresentado um decreto que extinguiria uma reserva de cobre na Amazônia (Renca). Além disso, no mês passado, um levantamento do Observatório do Clima mostrou que as emissões de gases-estufa aumentaram entre 2015 e 2016, apesar da crise econômica. Estas notícias podem abalar nossa imagem durante a conferência?

Acredito que não. Primeiro, porque o decreto da Renca foi revogado. Segundo, porque o relatório das emissões avalia o período entre 2015 e 2016, e o desmatamento da Amazônia caiu logo depois. Além disso, o mesmo levantamento mostra uma queda das emissões dos setores de energia e transportes. Tudo isso é um sinal de que a sociedade está atenta e tem acompanhado o nosso trabalho. Mas esses fatos não retirarão nossa legitimidade na COP, porque o Brasil não estará sob escrutínio de outros países. A discussão será sobre todo o planeta.