Brasil

Políticas públicas controversas arranham imagem do Brasil na COP-23

País se divide entre discurso positivo de negociadores e projetos criticados por ambientalistas
Agentes do Ibama apreendem madeira em operação contra exploração ilegal na Amazônia: dificuldade para conter desmatamento Foto: Bruno Kelly/Reuters
Agentes do Ibama apreendem madeira em operação contra exploração ilegal na Amazônia: dificuldade para conter desmatamento Foto: Bruno Kelly/Reuters

RIO — Sempre foi assim nas convenções internacionais de meio ambiente: o Brasil era admirado pela matriz energética limpa, a guarda da Amazônia e a habilidade de intermediar o diálogo entre países ricos e em desenvolvimento. Dessa vez, a delegação liderada pelo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, chegou à Conferência do Clima de Bonn (COP-23), aberta no início da semana na Alemanha, com más notícias na bagagem. Em um ano, o governo brasileiro colecionou uma série de revezes na área ambiental. Perdeu verbas para um fundo de proteção à floresta e viu emissões de gases de efeito estufa crescerem em nível recorde, mesmo em recessão econômica. Colheu forte reação no Brasil e no exterior com medidas provisórias que reduziriam unidades de conservação e um decreto que erradicaria a Reserva Nacional do Cobre (Renca). Recuou, mas o estrago na reputação já estava feito.

Desgastado por divisões políticas internas, o país tem hoje menos capacidade de influenciar o debate internacional em torno dos esforços para deter as mudanças climáticas, avaliam ambientalistas. Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Márcio Astrini diagnostica dois Brasis nas negociações:

— São duas situações: a primeira é o “faça o que eu digo”, onde nossos diplomatas cobram que outros países sejam ambiciosos no corte de poluentes. A segunda é o “não faça o que eu faço”, ou seja, não repitam o que acontece por aqui: conflitos envolvendo indígenas e unidades de conservação, grilagem, entre outros escândalos. O Brasil planeja direcionar 70% dos seus investimentos em energia em combustíveis fósseis, exatamente o que a Conferência do Clima quer abolir. E ainda lida com uma medida provisória que injetaria R$ 1 trilhão em subsídios fiscais para a indústria do petróleo.

IMAGEM EM DECLÍNIO

Para Astrini, se houvesse na conferência um “ranking de imagem”, o Brasil teria despencado. E o pior ainda está por vir. As eleições podem transformar a legislação ambiental em moeda de troca política.

— Temos um corpo de diplomatas muito bom, mas ações valem mais do que palavras. Há tempos o Brasil não é líder ou exemplo — lamenta o ativista.

Diretor do Programa ClimaInfo, Delcio Rodrigues observa que o Brasil tem todos os recursos para servir de exemplo mundial, a começar pela matriz energética baseada principalmente em hidrelétricas:

— O país apresentou meta muito maior do que outros países para reduzir emissões, melhor inclusive do que a da China, embora a energia renovável cresça mais rápido na Ásia. No entanto, o mundo conhece o cenário político conturbado do Brasil, e isso se reflete em uma perda de confiança. Prova disso é que não estamos chefiando nenhum grupo de trabalho.

Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, acredita que o país apostará, na COP-23, em mensagens como o declínio da taxa de desmatamento na Amazônia — embora o índice tenha sido inferior ao desflorestamento observado nos dois anos anteriores — e em planos para revitalizar as operações de proteção à floresta.

— O problema é que o esforço para recompor o Ibama se baseia na verba do Fundo Amazônia, que agora foi cortado pela metade — ressalta. — E o governo também pode se orgulhar de ter reduzido, no último ano, o apelo às termelétricas a carvão. Mas isso ocorreu porque a crise hídrica acabou. Ou seja, é resultado de um fenômeno natural, não de política pública.

Disseminar a agenda ambiental entre os grupos políticos é o maior desafio brasileiro, diz Igor Albuquerque, gerente de mudanças climáticas da organização Iclei (Governos Locais pela Sustentabilidade).

— Não existe uma liderança técnica para nortear o governo e nem um debate estendido à população — observa. — Ao substituir gases de efeito estufa por fontes de energia limpa, surgem oportunidades econômicas ainda não exploradas.

Diante da crise econômica, ainda há controvérsias sobre a possibilidade de o país cumprir a meta apresentada, que consiste na redução de 37% da emissão de gases-estufa até 2025 em relação aos níveis de 2005. Segundo os discursos reforçados em Bonn, os governos nacionais terão mais chance de sucesso se envolverem outros atores nas negociações, como prefeituras, estados e a iniciativa privada.