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Onda verde está a crescer na Alemanha a meses das eleições. Já podemos falar de alterações climáticas?

12 abr, 2021 - 16:05 • Guilherme Correia da Silva, correspondente na Alemanha

A pandemia cansa. A popularidade do partido de Angela Merkel - atingido por um escândalo de corrupção - está em queda. A menos de seis meses das eleições, os Verdes estão de malas aviadas para entrarem no governo federal. Levam consigo um dossier gigante: o combate às alterações climáticas.

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As coisas não correm bem ao Governo da chanceler alemã, Angela Merkel. As restrições da pandemia nunca mais acabam. A vacinação continua lenta, apesar de o executivo ter prometido acelerar o processo. E, a agravar tudo, deputados do bloco conservador de Merkel foram acusados de corrupção. Terão recebido centenas de milhares de euros em comissões para facilitar a compra de máscaras de proteção contra a Covid-19.

Paul Ziemiak, secretário-geral da União Democrata-Cristã (CDU), de Merkel, entrou em modo de "gestão de crise".

"Quem aproveita [a pandemia] para se enriquecer não tem lugar entre nós, na CDU. A nossa política é de tolerância zero", afirmou Ziemiak.

A popularidade dos conservadores está em queda livre. Muitos alemães estão cansados, não só com a gestão da pandemia. Angela Merkel está há mais de 15 anos no poder. Os sociais-democratas, no Governo com a chanceler, também caem nas intenções de voto, sem conseguir sair da sombra da CDU.

Por estes dias, os únicos políticos que sorriem na Alemanha são os Verdes. A menos de seis meses das eleições federais, agendadas para 26 de setembro, o partido está em segundo lugar nas sondagens com pelo menos 20% das intenções de voto - é mais do dobro do que conseguiu nas eleições de 2017.

Em março, os Verdes apresentaram uma primeira versão do programa eleitoral. Robert Habeck, um dos líderes do partido, prometeu uma "injeção de vitaminas" para curar o cansaço geral. "Esperamos e queremos inaugurar uma nova era política", anunciou.

"Com este programa queremos criar um novo impulso, um impulso que vai além da mera economia."

O foco do programa dos Verdes não é a pandemia, mas o combate às alterações climáticas: acabar mais cedo com a energia do carvão, tornar mais caras as emissões de dióxido de carbono e aumentar os investimentos, incluindo na ferrovia.

Proteger o clima dá votos na Alemanha, ao contrário do que acontece noutros países. Em Portugal, os temas que mais preocupavam os eleitores durante as legislativas de 2019 eram os impostos, a segurança social, as pensões e as condições de trabalho. Na Alemanha, de acordo com as estatísticas do Eurobarómetro, são as questões do clima que estão no topo das preocupações. Proteger o clima é, para muitos, uma questão pessoal.


Uma sexta-feira (pelo futuro) em Colónia

É meio-dia. Está a começar na cidade de Colónia uma manifestação das "Sextas-feiras pelo Futuro", o movimento impulsionado pela ativista sueca Greta Thunberg. Numa faixa gigante, os ativistas exigem a "queima" do capitalismo em vez do carvão. A faixa está escrita em letras garrafais vermelhas.

Um dos manifestantes sobe a um palco improvisado, numa rua perto da estação central de comboios, com a catedral de Colónia como cenário: "Uma cidade como esta também tem de produzir energia renovável", começa por dizer.


É a primeira vez que os ativistas das "Sextas-feiras pelo Futuro" vão para as ruas desde que entraram em vigor novas restrições por causa da pandemia. No caminho alguém pergunta como é que o protesto foi autorizado enquanto os restaurantes continuam fechados. Mas as dezenas de pessoas que vieram à manifestação usam máscaras e mantêm uma distância de segurança. A polícia acompanha-os de perto.

"Ter energias renováveis numa cidade como Colónia não é construir grandes instalações eólicas", continua o ativista no palco. "O caminho é colocar painéis solares nos telhados. E não é preciso parar na catedral atrás de mim, há áreas maravilhosas para instalar painéis solares."

Encontro com Leonie Bremer

Nas contas dos manifestantes, todos os anos Colónia teria de instalar painéis solares em 15 mil telhados para ajudar a limitar o aquecimento do planeta a um máximo de dois graus centígrados, como a comunidade internacional acordou em Paris, há mais de cinco anos.

Porém, o tempo passa e a temperatura aumenta. Os países - a Alemanha incluída - não estão a ser rápidos o suficiente, afirma Leonie Bremer, uma das porta-vozes das "Sextas-feiras pelo Futuro".

"A Alemanha costuma dizer que é pioneira em matéria de proteção climática. É completamente falso."

Leonie Bremer tem 23 anos de idade. Está nas "Sextas-feiras pelo Futuro" desde o início do movimento, em 2018. O encontro com a Renascença teve lugar antes do protesto em Colónia. Começou por se desculpar, por chegar atrasada. Trazia um gorro cor-de-rosa e ainda vinha com o cabelo molhado. Ela postou a história no Instagram; escreveu também que precisava de café e "shots de gengibre". Mas não foi sobre isso que falou na entrevista.

O que Leonie disse é que está farta de esperar pelos políticos e quer mudanças estruturais o mais depressa possível.

"O meu mestrado é sobre a tecnologia das energias renováveis. É possível termos 100% de energias renováveis até 2030. O problema é que os nossos políticos antiquados não têm coragem, não se atrevem a começar."

As "Sextas-feiras pelo Futuro" querem o fim das energias fósseis até 2030, mas o plano do Governo de Angela Merkel é outro.

Berlim continua a defender a construção do gasoduto Nord Stream 2, que transportará gás natural russo para a União Europeia. O fim da energia a carvão só está previsto para 2038. Para Lisa Göldner, da organização ambientalista Greenpeace, é tarde demais.

"A Alemanha deveria pôr fim ao carvão até 2030. O que me preocupa é que, ao sair do carvão, há o perigo de se fomentar o uso de gás natural. Mas é claro que a solução para a crise climática, no setor da energia, são o sol, o vento, a água, as energias renováveis."

No ano passado, pela primeira vez, as turbinas eólicas na Alemanha produziram mais eletricidade do que as centrais termoelétricas, a carvão. Mas três quartos do bolo energético alemão continuam a ser energias fósseis: petróleo, gás e carvão.

Revolução energética... "sem pressas"

Hans Röhrs, 88 anos de idade, trabalhou como engenheiro numa mina de carvão na cidade de Ibbenbüren, no oeste da Alemanha. Também se dedicou à história da mineração na região e publicou vários livros. Numa conversa por telefone, diz que concorda com o prazo estipulado pelo governo para o fim da energia a carvão, em 2038.

"Precisamos [de uma revolução energética], mas sem pressas. É preciso que as pessoas continuem a conseguir pagar a energia."

Ibbenbüren tem cerca de 54 mil habitantes. A cidade fica aos pés da mina de carvão e de uma central termoelétrica. A história da mineração aqui tem mais de 500 anos, mas o “boom” foi no último século, conta Röhrs.

"A mina contribuiu para o desenvolvimento da cidade. Era um dos maiores empregadores na região. Em 1958, chegou a empregar mais de oito mil pessoas."

O trabalho nas minas de carvão era bem pago. Na altura, um técnico ganhava em média 880 marcos por mês - mais de 2.000 euros, a preços atuais. No setor do aço, o salário era bastante inferior - 686 marcos, cerca de 1.600 euros.

"As pessoas gostavam de ir para a mina", afirma Hans Röhrs. Não era só o dinheiro que as incentivava. A formação também era "muito boa" e a empresa fornecia-lhes carvão, o chamado "Deputatkohle".

"Nos tempos de crise, depois da guerra, isso foi muito importante."

Carvão saía caro

A cultura da mineração criou raízes em Ibbenbüren. Hans Röhrs conta por exemplo que há uma associação de música com duas orquestras e um grupo coral ligados à mina. E o dia de Santa Bárbara, a padroeira dos mineiros, continua a ser celebrado, apesar de a mina ter fechado em 2018.

A mina de Ibbenbüren tinha quase 1.600 metros de profundidade, o equivalente a cinco torres Eiffel empilhadas. Era a mais profunda da Europa.

"Uma profundidade destas implica custos relativamente altos. O ar que fluía tinha de ser arrefecido e a pressão nas rochas aumentou, o que significava custos extra", explica o antigo engenheiro.

O carvão saía tão caro que o Estado tinha de o subsidiar para poder competir no mercado internacional. Uma loucura, segundo os ambientalistas. O Governo decidiu acabar com os subsídios e fechar as minas de carvão. Em Ibbenbüren, ninguém ficou no desemprego, acrescenta Röhrs.

"Quando a mina fechou, alguns trabalhadores foram para a reforma antecipada e os mais novos encontraram emprego aqui nas pequenas indústrias, sem grandes problemas, porque tinham tido uma boa formação."


A central termoelétrica também tem os dias contados; já não pode comercializar eletricidade. Mas a transição energética na região começou a ser preparada há duas décadas e, em abril de 2017 - mais de um ano antes do fim da exploração de carvão na mina - foi criada no distrito de Steinfurt, que inclui Ibbenbüren, uma associação que junta cerca de uma centena de políticos, empresas e cidadãos com uma grande meta: a autossuficiência energética.

Silke Wesselmann, que dirige a associação Energieland2050, está bastante contente com os resultados até aqui: 70% da eletricidade consumida na região provém de fontes renováveis.

Como é que isso se consegue? "Por um lado, expandindo ao máximo as energias renováveis. Por outro, poupando energia; trabalhando intensivamente no setor da construção, com o isolamento térmico", afirma Wesselmann.

De acordo com a responsável, a primeira tarefa foi criar uma rede de parceiros. Depois foram concebidos e implementados de imediato projetos-piloto "de sucesso", que poderiam ser replicados não só por empresas como por cidadãos.

"Dissemos desde o início que a revolução energética na região só funcionaria com a ajuda de todos". Por exemplo, com parques eólicos comunitários ou cooperativas solares.

A ideia é inverter por completo o atual sistema de produção de eletricidade, refere Wesselmann.

Em vez de ter gigantes energéticos a produzir para o maior número de pessoas possível, o objetivo é ter o maior número de pessoas possível a produzir (com painéis solares e turbinas eólicas) a eletricidade que precisa - e, se sobrar, a alimentar o resto da rede. É claro que os gigantes não ficaram muito contentes.

"Não posso dizer que alguém esteja a agir contra nós, ou algo do género, mas somos certamente vistos como 'perturbadores' do sistema."

O "lobby" no setor energético

Há quatro anos, quase no final da legislatura anterior, o partido A Esquerda enviou uma série de perguntas ao Governo federal alemão sobre o "lobby" dos gigantes energéticos. O Governo respondeu. Enviou uma lista com cerca de 15 páginas enumerando quase três anos de encontros de alto nível entre representantes de empresas e associações do setor e membros do executivo - incluindo com a chanceler Angela Merkel.

Contudo, o executivo de Berlim assinalou que tanto se encontra com empresários como com ambientalistas. A Esquerda tem uma opinião diferente: para o partido, é óbvio que o Governo se prefere encontrar com empresários. A lista de reuniões com organizações de defesa do ambiente tem pouco mais de duas páginas.


Seja como for, Silke Wesselmann, da associação Energieland2050, diz que os entraves à expansão das energias renováveis continuam a ser muitos.

"Já não há áreas para construir novas turbinas eólicas, porque a lei coloca grandes obstáculos. No setor da energia fotovoltaica, também há cada vez menos financiamento. Outro obstáculo é no campo do isolamento térmico e da mobilidade. E é preciso passar a mensagem de que é importante que cada um de nós contribua e não compre agora um esquentador para funcionar nos próximos 30 anos."

Cientista portuguesa pede mudança global

As Nações Unidas voltaram a avisar em fevereiro que, se as emissões de gases com efeitos de estufa não forem reduzidas brevemente, o mundo caminha para uma "catástrofe". Os cientistas temem que a temperatura média global ultrapasse os 3ºC. Isso levaria a uma subida do nível do mar, vastas áreas costeiras seriam inundadas. A comida começaria a escassear.

Na Alemanha, a floresta está cada vez mais doente. Os três últimos verões, extremamente quentes e secos, deixaram sequelas graves.

"Em 2020, apenas 21% das árvores não apresentavam qualquer sinal de dano devido a seca, insetos ou outros agentes que podem danificar as árvores, ao passo que, em 2010, 38% das árvores não tinham qualquer dano", menciona Ana Bastos.

A cientista portuguesa trabalha para o Instituto Max Planck de Biogeoquímica, na cidade de Jena, no leste da Alemanha, e está preocupada.

"A escala da mudança que tem de ser feita ao nível global - ao nível da reestruturação da economia, das sociedades e da forma como trabalhamos, como nos movemos e comemos - é uma escala provavelmente comparável à da resposta à pandemia."

Kira Vinke, membro do conselho consultivo do Governo federal alemão sobre prevenção de crises, concorda.

"Durante a pandemia da Covid-19 houve um recuo nas emissões. Claro, foi apenas um efeito colateral das medidas de proteção contra o vírus, mas o que isso também significa é que precisamos de uma transformação sistémica."

No topo da Câmara de Bona

Há mudanças. Nos supermercados, os sacos passaram a ser pagos. Os pepinos deixaram de ser vendidos embrulhados em película aderente. Há mais pessoas a andar de bicicleta. O Governo alemão introduziu a partir deste ano uma taxa para as emissões de dióxido de carbono, 25 euros por tonelada (as "Sextas-feiras pelo Futuro" pedem muito mais: 180 euros).

Os Verdes também ganham terreno. Em março, nas eleições regionais em Baden-Württemberg, o partido, que já governa o estado federado, conquistou 32,6% dos votos, um valor recorde.

Em novembro, a cidade de Bona, antiga capital da Alemanha Ocidental, passou a ter uma presidente da Câmara dos Verdes, Katja Dörner, que substituiu no cargo um político dos conservadores da CDU.

Será que Dörner quer uma mudança do género nas próximas eleições federais, em setembro? Os Verdes vão entrar no governo? Talvez até na chancelaria? Mesmo com máscara, notam-se os contornos de um sorriso na autarca.

"Bom, aí terei de olhar um pouco para a bola de cristal", diz Dörner, que também já foi deputada dos Verdes no Parlamento federal. "O que notei nas autárquicas e com a minha eleição como presidente da Câmara é que, na sociedade em geral, há uma sensação de que as coisas não podem continuar assim."

Num dos lados do escritório de Katja Dörner, no topo do edifício da Câmara Municipal, há uma enorme janela com vista para os telhados da cidade. A autarca diz que esse é um dos sítios onde quer começar a sua revolução energética: "Vamos avançar com uma 'ofensiva solar'. Questiono-me sempre como é possível que tantos telhados nesta cidade, incluindo dos edifícios camarários, continuem a não ser utilizados para produzir energia solar."

Mas quanto custaria essa ofensiva? "Não lhe posso dizer agora um valor em concreto, depende da amplitude do que se faz", responde Dörner. "No entanto, não acredito que, daqui a dez anos, os nossos filhos nos perguntem quanto poupámos no orçamento. O que nos vão perguntar é o que fizemos para combater a crise climática."

A antiga parlamentar, de 45 anos, insiste que não há volta a dar, as energias renováveis são o futuro.

"A médio prazo, ficam a ganhar as empresas que reconhecerem que é preciso uma mudança. Aqui em Bona são por exemplo as pequenas e médias empresas que ganham com uma ofensiva solar, porque são elas que vão montar os painéis nos telhados. É aí que estão os empregos, é aí que estão as receitas."

"Temos de reduzir as emissões a zero agora"

O combate às alterações climáticas não é só uma reivindicação dos Verdes. Quase todos os partidos alemães advogam mudanças, umas mais rápidas do que outras. Só o partido de extrema-direita AfD critica estes investimentos - chama a tudo isto de "ficção do clima" e defende que o dinheiro seria melhor investido noutras áreas, sobretudo em tempo de pandemia.

Nas ruas, os ativistas do clima continuam a protestar. As alterações climáticas são uma realidade, disso não têm dúvidas. E dizem que há um mar de oportunidades à espreita.

"Quantos empregos estamos a perder por as energias renováveis não estarem a ser apoiadas? Quantos empregos podem ser criados num setor em desenvolvimento?", pergunta Leonie Bremer, do movimento "Sextas-feiras pelo Futuro".

Em setembro, o ministro alemão da Economia e Energia, Peter Altmaier, apresentou 20 propostas para a proteção do clima. Uma delas é criar a etiqueta "Clean Products made in Germany"; outra é reduzir a zero as emissões de dióxido de carbono até 2050, estabelecendo metas anuais.

"Não temos tempo a perder. Temos de reconhecer que a proteção climática é a tarefa central da nossa geração", alertou Altmaier na altura. Apelou também a um consenso partidário sobre o clima a ser alcançado antes das eleições.

Leonie Bremer diz que não tem paciência para iniciativas como esta. "Temos de reduzir as emissões a zero agora. Temos de ter um plano para os próximos cinco anos, não podemos estar sempre a falar de 2050", comenta.

Outros membros das "Sextas-feiras pelo Futuro" têm ingressado em partidos políticos, alguns pensam em concorrer ao Parlamento federal nas eleições de setembro. Isso também estará nos planos de Leonie?

Ela ri-se. "Não. Porque o nosso sistema parlamentar tem de basear todas as medidas na questão da justiça [climática] e no Acordo do Clima de Paris. Até que isso aconteça, não entrarei nesse sistema."

A ativista afirma que, para já, prefere ficar nas ruas a protestar - também é uma parte importante da democracia.

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  • Bruno
    12 abr, 2021 aqui 21:00
    O combate às alterações climáticas tem que passar por uma revolução nos transportes (é insustentável que os aviões continuem a queimar quantidades exorbitantes de combustíveis fósseis) e por retomar as práticas agrícolas pré-industriais.

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