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Pedro Dominguinhos. "Como é óbvio" a inflação "levanta riscos de execução" do PRR

02 jun, 2022 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) , David Santiago (Público)

O novo presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência alerta que a inflação e o aumento dos preços dos combustíveis constituem “riscos de execução” do PRR e recusa ainda que o organismo para o qual acaba de ser nomeado pelo primeiro-ministro tenha uma função ao estilo da rainha de Inglaterra: "não tenho essa noção".

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Pedro Dominguinhos. "Como é óbvio" a inflação "levanta riscos de execução" do PRR
Pedro Dominguinhos. "Como é óbvio" a inflação "levanta riscos de execução" do PRR

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal 'Público', Pedro Dominguinhos refere que os dados mostram que a aplicação dos fundos europeus não tem tido níveis de corrupção muito altos no nosso país. O substituto do agora ministro António Costa Silva diz ainda que os alertas do Presidente da República sobre o PRR se têm centrado sobretudo na necessidade de rapidez na execução dos projetos e não propriamente nos riscos de corrupção e se Marcelo o chamar a Belém para explicações sobre o programa admite que terá "todo o gosto em falar com ele, mas até agora não aconteceu"

O que lhe foi exatamente pedido pelo primeiro-ministro ao aceitar este cargo, é ser um fiscal do PRR?

O senhor primeiro-ministro pediu-me duas coisas fundamentais. A primeira, o cumprimento da missão da Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do PRR, que se traduz nesse acompanhamento da sua execução. Mas, mais do que mera execução, na qualidade da execução do PRR, e também porque, com a saída do professor Costa Silva para ministro da Economia e do Mar, a Comissão ficou sem presidente e, portanto, temos que recuperar agora, também com o próprio plano, este atraso no trabalho, porque a CNA tem o compromisso, e isso já foi assumido anteriormente, de elaboração de relatórios semestrais. O primeiro relatório foi produzido com informação até Dezembro de 2021. Estamos agora na fase de retomar os trabalhos para, o mais rapidamente possível, conseguirmos elaborar este segundo relatório de acompanhamento.

Por que é que demorou tanto tempo entre a ida de Costa Silva para o Governo e a sua indicação para a sucessão? Será porque o Governo não atribui especial importância a esta função?

O meu entendimento é que não é exactamente essa falta de importância. Provavelmente, existiram outras prioridades em termos de execução, sobretudo do PRR, bem como não podemos esquecer que deflagrou uma guerra no dia 24 de fevereiro. A inflação naturalmente continua a crescer. É àquilo que atribuo, não a uma menor relevância da CNA. Foi produzido um relatório com uma interacção muito grande entre as comissões especializadas, o presidente da Comissão de Acompanhamento e os ministros das várias áreas sectoriais. Foi um relacionamento muito profícuo. E o próprio relatório identifica um conjunto de marcos importantes que se conseguiram alcançar.

Foi produzido em janeiro. Quando é que há um novo relatório?

Vamos trabalhar o mais rapidamente possível para o elaborar. Devo também relembrar que alguns ministros são novos nas pastas e também eles estão nesta fase, desde a tomada de posse do Governo, a inteirar-se de várias temáticas.

Que riscos pode antecipar que vão estar incluídos no relatório que vai produzir?

Como compreenderá tenho que falar com a comissão.

Mas já estava na comissão, deve ter uma ideia do que pretende.

A questão da inflação, a questão do preço dos combustíveis, como é óbvio, levanta riscos de execução. Há vários concursos, que já foram lançados, que tiveram que ser republicados. As entidades beneficiárias lançaram concursos, as instituições de ensino superior, as IPSS, as empresas, e que nalguns casos ficaram desertos.

É um problema de adequação?

Há uma questão relacionada com os preços que estão sujeitos na contratualização que está feita. Os planos e os contratos têm determinados montantes que, nalguns casos, fruto, por exemplo, do aumento do preço na construção, hoje em dia são superiores àqueles que eram há seis, sete meses. E, desse ponto de vista, esta é uma equação complexa que tem que ser analisada.

As regras podem ter de mudar entretanto?

Há uma reflexão que temos que fazer. Devemos concentrar-nos na execução o mais rapidamente possível. E como já estão vários concursos abertos e vários projetos no terreno, perceber o que é que vai acontecer. Não devemos antecipar 2025, 2026 porque temos um trabalho muito árduo para fazer.

Dá a sensação de que poderá haver já alguns investimentos ou objectivos que estão, pelo menos em termos de valores, desadequados face àquela que é a realidade actual.

Há um risco. Esse é um risco. Temos que, conjuntamente com os beneficiários finais e os beneficiários intermédios, perceber esta situação. Há investimentos e projetos que não têm esses riscos e que estão em velocidade de cruzeiro a ser executados. Dou o exemplo, no Ensino Superior, das formações que estão a ser executadas. Na escola digital, os concursos foram lançados em novembro e dezembro. A aquisição de computadores está no terreno. Há outros que temos que ter a noção clara que há riscos presentes. Vamos esperar que este fenómeno da inflação seja conjuntural, apesar de poder ser já mais longo do que aquilo que se antecipava há dois meses.

Antevê que seja necessário fazer ou acertar alterações a nível legislativo para que isto entre em velocidade de cruzeiro?

O Governo tem tido essa capacidade de resposta. Por exemplo ao nível da contratação para efeitos de investimentos na área da ciência. Simplificou muito mais a questão do código da contratação pública para estes efeitos.

O Ministério Público (MP) avisou que a estrutura de missão não dispõe dos meios necessários a uma eficaz prevenção de fraudes e corrupção na atribuição dos meios do PRR. Esta desconfiança ou a perceção de que os fundos podem não estar a ser usados da melhor maneira, é uma preocupação para a comissão?

Existe a necessidade de recursos humanos qualificados e em número para permitir esse mesmo acompanhamento. E o alerta feito pelo MP entendo-o também como uma antecipação para dizer que é fundamental a existência de meios humanos, de meios de controlo, para que possamos antecipar e mitigar eventuais riscos que ocorram. Isto acontece com o PRR como acontece com qualquer outro programa, como com o PT2030.

O MP dizia também que o processo “carece de melhorias”. Estão a implementar algumas mudanças no sentido de melhorá-lo?

Esta é uma função que assumi no sábado e irei falar também com a comissão de auditoria e controlo, com a missão 'Recuperar Portugal'. Mas gostava de dizer que os organismos beneficiários, os organismos intermédios e os beneficiários finais deste tipo de fundos, são aqueles que também são beneficiários do PT2030. Há experiência no terreno e há experiência acumulada nos organismos públicos para lidar com estas questões. E depois existem os organismos de fiscalização que devem intervir sempre que há denúncias, nos mecanismos de controlo normal que continuam a existir.

Os mecanismos de controlo em Portugal existem. Há pessoas julgadas, há pessoas condenadas e, desse ponto de vista, é algo que temos de ter noção que faz parte do nosso dia-a-dia. Mas também dizer que o nível identificado de fraude é relativamente reduzido. Qualquer fraude é sempre má, ponto final, mas o próprio sistema tem mecanismos de antecipação.

Como é que tem visto os sucessivos apelos do Presidente da República para uma boa e rápida execução do PRR? Marcelo Rebelo de Sousa tem alertado sempre para o risco do mau uso e da corrupção?

Os dados que existem sobre os programas passados demonstram que o nível é relativamente reduzido. Volto a referir, qualquer fraude e qualquer mecanismo menos legal deve ser sempre condenado e devemos prevenir tudo. Mas a CNA, da qual sou presidente, tem como função fundamental focar-se na execução e na qualidade da execução. Também tem feito este apelo da execução para ser rápida e transformadora. Temos de ter a capacidade de ser verdadeiramente disruptivos.

Portugal poderá ter mais 1.600 milhões de euros em subvenções, ou seja, dinheiro a fundo perdido, no âmbito do PRR. Se isso acontecer, para onde deve ir esse dinheiro?

É prematuro neste momento, sem uma análise aprofundada, dizê-lo. A questão da transição verde que estamos a viver, das cadeias logísticas globais, da produção nacional, desempenhou um papel essencial. E temos que verdadeiramente fazer essa transformação.

Qual deve ser o papel da CNA do PRR? Há cerca de um ano o ex-ministro do Planeamento dizia que devia ter um “soft power” de recomendação, mas um mês antes, Costa Silva dizia esperar que tivesse poder para travar projetos. Concorda com qual destas visões? Ficando apenas pelo “soft power”, há um risco de a CNA ser uma espécie de rainha de Inglaterra do PRR?

A CNA tem um conjunto de personalidades, de entidades empresariais, dos sindicatos, do ensino superior que têm uma profunda competência. Ponto número dois, têm um profundo conhecimento do terreno e têm uma missão dada pelo próprio decreto-lei que criou a Comissão.

A CNA desempenhará o seu papel na análise, nas recomendações, no envolvimento dos beneficiários intermédios dos organismos intermédios e dos beneficiários finais. E fará as recomendações que terá que fazer de uma forma ponderada, com informação que tem que ser fundamental. Por isso é que temos que basear as nossas recomendações na análise, no estudo, na interação com os diferentes atores que estão no terreno. A CNA não é um órgão de opinião, é baseada na evidência, baseada naturalmente num conjunto de análises que estão a ser feitas, na análise de custo-benefício, na análise do impacto. Se chegarmos à conclusão que um determinado projeto não está a ter o impacto desejado, devemos dizê-lo.

E gostava de ter poder reforçado para travar esse projecto?

Neste momento é prematuro dizer porque entendo que o diálogo com a missão Recuperar Portugal, com os organismos intermédios, não permitirá a aprovação de projetos que não estejam alinhados com o PRR. A própria CNA propõe que tenhamos um site para poder divulgar os nossos relatórios e as nossas recomendações, também para, do ponto de vista da transparência e do ponto de vista da opinião pública e da sociedade civil, poderem também, fiscalizar e controlar aquilo que a CNA está no terreno a fazer.

Não tenho essa noção de rainha de Inglaterra. As pessoas que estão na CNA estão com o sentido de missão e não estão apenas para dizer que sim. O primeiro relatório da CNA tem recomendações muito incisivas, ao nível da desburocratização, ao nível da informação, ao nível do risco de duplicação. A CNA, nas dezenas de reuniões que já teve com os ministros, não se calou e fez as recomendações, fez as perguntas que tinha que fazer sobre determinado tipo de conteúdos. Voltando àquilo que me perguntavam sobre o Presidente da República, aquilo que o senhor Presidente [defende], e é a forma como eu o entendo, é que todos somos convocados para uma execução com o impacto do PRR, que é uma oportunidade única para transformar Portugal.

O Presidente da República já entrou em contacto consigo?

Se o Presidente da República me disser para falar com ele, terei que falar com o senhor Presidente e terei todo o gosto em falar com ele, mas até agora não aconteceu, até porque a [minha] nomeação foi no sábado. Estou na fase de instalação.

A sua comissão só responde ao Governo?

A missão tem a responsabilidade de elaborar esses relatórios.

Sobre a tutela, qual é a relação que tem tido, por exemplo, com Mariana Vieira da Silva, que neste momento é responsável pelo PRR?

Já reuni com a senhora ministra Mariana Vieira da Silva, bem como com o secretário de Estado Eduardo Pinheiro. O que está em cima da mesa é cumprirmos a nossa missão e assegurar os meios necessários para cumprimos a nossa missão.

Nessa conversa foram detalhados alguns passos para suprir as deficiências que ficaram reflectidas no primeiro relatório?

Nesta fase ainda não. Ou seja, houve sobretudo preparação do cargo.

Desde que houve o primeiro relatório até agora não foi feito nada de significativo no sentido de colmatar esses problemas que foram identificados?

Muitas coisas já foram. Dei um exemplo da alteração legislativa para reduzir o preço dos contratos. Outras questões estão em cima da mesa. Hoje em dia o sistema de informação e o Portal da Transparência têm muito mais informação do que tinha em janeiro. Há uma articulação muito significativa entre a Agência de Coesão e a missão Recuperar Portugal. A aceleração do programa foi feita, muitos avisos foram lançados, muitos projetos estão no terreno. Há aqui uma alteração de uma análise que foi feita e, como compreenderão, fiz o trabalho de casa para perceber exatamente essas alterações. E essas são melhorias que estão feitas.

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