Entrevista a Miguel Monjardino

“A lógica russa de confrontação é deliberada. O regime precisa de um inimigo externo"

20 fev, 2023 - 06:30 • José Pedro Frazão

A caminho do ano de guerra na Ucrânia, o especialista em relações internacionais olha para este conflito como "existencial para Moscovo e para Kiev". "Quando as guerras são vistas assim, são mais difíceis de terminar", garante.

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Considerado um dos principais analistas portugueses de relações internacionais, Miguel Monjardino diz acreditar que Putin estava convicto que a sua vitória na Ucrânia aceleraria a transição para uma nova ordem internacional.

Numa reflexão alargada sobre um ano de guerra, o professor da Universidade Católica, que acaba de lançar “Por onde vai a História”, considera que a Ucrânia estará sempre em perigo enquanto Putin mandar na Rússia, advertindo que a guerra será longa e que o seu arrastamento não é favorável à relação de Moscovo com Pequim.

Quanto ao fim da guerra, está associado à falta de recursos de quem combate e, diz Monjardino, a Ucrânia tem mais meios do que a Rússia para substituir o material de guerra.

Ao longo deste ano, todos os analistas tentaram sempre interpretar o objetivo estratégico de Putin nesta guerra. Um ano depois, para si é mais claro agora afinal o quer Putin desta guerra?

Putin tem sido vago em relação aos objetivos políticos que deram origem a esta guerra. Mas a forma como ele tem falado na Ucrânia, como escreveu sobre a Ucrânia, toda a sua retórica política, associada também à do líder da Igreja Ortodoxa Russa, leva-me a concluir que, no fim de contas, Putin, o primaz da Igreja Ortodoxa Russa e muitos russos não imaginam a Rússia sem a Ucrânia.

Ou seja, dominar a Ucrânia faz parte da identidade nacional da Rússia. É-lhes inconcebível imaginar o seu país sem um controlo direto ou indireto da Ucrânia. Parece ser uma questão sobretudo identitária e emocional, o que tornará muito difícil a solução deste problema.

No seu livro agora publicado, quase que imagina Putin na pandemia, fechado, a ponderar qual é o lugar da Rússia no mundo. E olhando para os impérios anteriores, evoca um “Império unido pela religião”, pela Igreja ortodoxa russa. Fala na ideia de um “destino histórico da Rússia” e num país “habituado a utilizar a coerção e o conflito junto dos seus vizinhos”. De certa forma, isto dá algum corpo aos receios que ouvimos em países limítrofes da Ucrânia, como a Polónia, Roménia e os países bálticos, sobre a ideia de que Putin não pára na Ucrânia, ou seja, que tem um interesse em vir ainda mais até ao Ocidente.

Sim, Putin e muitos russos olham para 1991 como um trauma nacional. A forma como a União Soviética acabou foi altamente traumática e Putin tem sido muito claro sobre isso.

"(...)dominar a Ucrânia faz parte da identidade nacional da Rússia"

Putin acha que a Rússia só pode ser imperial, não consegue conceber outro futuro para o seu país. Do ponto de vista de Vladimir Putin, um novo Império Russo ajudaria a estabilizar o sistema internacional? No meu ponto de vista, o sistema está em desequilíbrio. Penso que uma das razões que levaram Putin a esta guerra foi concluir que, se fosse vitorioso, rapidamente aceleraria a transição para uma nova fase do sistema internacional.

Há algo que me intriga e que só a história poderá responder: no período de isolamento extremo a que Vladimir Putin se submeteu durante a pandemia, quem é que o aconselhou? Quem foram as pessoas que tiveram acesso a Putin? E se, de facto, esse isolamento durante dois anos terá ou não ajudado a consolidar uma série de ideias que deram origem a isto tudo ou ajudaram a que esta decisão fosse tomada?

As ideias podem não ser apenas de Putin. Se olharmos para aquilo que designa como “crise de 30 anos, remetermo-nos à dissolução da União Soviética e à queda do Muro de Berlim, esta é uma ideia que vem de trás. Putin é apenas o mais recente artífice dessa tese?

Sim, claramente. Putin tem sido muito claro, desde 2007, ao considerar que a ordem de segurança europeia era contrária aos interesses de Moscovo. E esta guerra é um sinal de que ele e, suspeito, o regime consideram que a ordem internacional, como existe, é ilegítima.

(...)uma das razões que levaram Putin a esta guerra foi concluir que, se fosse vitorioso, rapidamente aceleraria a transição para uma nova fase do sistema internacional.

E, no caso da Ucrânia, estão dispostos a ir à guerra por causa disso. Mas há outras coisas a acontecer, há uma dimensão de política doméstica, que me parece ser mais clara a partir de 2012 quando Putin regressa ao poder, depois do “intervalo” de Medvedev.

A minha interpretação é a de que ele percebe que, por falta de legitimidade política interna - porque obviamente o resultado eleitoral não foi aquele – sente a necessidade de se associar a uma corrente de pensamento profundamente hostil à ideia da Europa e é partidário de uma Rússia diferente.

de pensamento profundamente hostil à ideia da Europa e é partidário de uma Rússia diferente.

"(...)nós ainda sonhamos com o regresso dessa Rússia europeia. O meu argumento no livro é que isso não é possível atualmente."

Nós fomos criados a ler na Europa sobre uma Rússia diferente através dos autores russos. E nós ainda sonhamos com o regresso dessa Rússia europeia. O meu argumento no livro é que isso não é possível atualmente.

Uma Europa do Atlântico aos Urais, como dizia De Gaulle.

Vladimir Putin e as pessoas que o rodeiam neste momento deixaram de acreditar nessa concepção da Rússia como parte de uma Europa que vai até aos Urais. A sua Rússia é muito diferente e está mais de acordo com a tradição cultural que sempre existiu na Rússia, que nas últimas décadas foi minoritária, mas que, com o evoluir do regime e a necessidade deste se legitimar em função de uma série de dificuldades, levou-o a seguir esse caminho.

Suspeito que durante a pandemia foi mais esse grupo de pessoas que teve acesso direto a Vladimir Putin. E uma das consequências pode ter sido acelerar o processo de decisão nesta direção. Precisaremos de muito mais tempo para perceber exatamente como é que foi. Essa é a minha conjetura neste momento.

Mas aí arrisca-se à velha confrontação dos blocos da Guerra Fria. A Ucrânia está a combater com o “chapéu militar” ocidental, do bloco norte americano e britânico. A retórica de novo em torno da possibilidade de retaliação e utilização de armamento nuclear coloca-nos claramente nos “carris” da Guerra Fria.

Sim, há muita gente que fala de Guerra Fria. Precisaremos de mais tempo para saber se haverá uma expressão que define o nosso tempo. Eu não sei. Estamos num período de transição. Mas é importante percebermos em Portugal que a lógica de confrontação, do ponto de vista russo, é deliberada.

O regime precisa de um inimigo externo para, no fim de contas, controlar melhor ou ainda mais o poder. Putin está com 70 anos e sempre prestou imensa atenção ao seu lugar na história russa. Isto é um ponto importante.

Mas, mais do que isso, a geração que domina o poder na Rússia tem uma conceção patrimonial do seu país. Não há distinção entre riqueza privada e aquilo que é do domínio público, é muito difusa. É a geração que domina o poder na Rússia que vai transmitir a riqueza aos seus filhos. Esse processo também está em curso.

Mas há aqui uma divisão importante. Parte da elite russa que tinha o dinheiro fora da Rússia está a ser e vai continuar a ser eliminada pela outra elite que tem o dinheiro dentro da Rússia. Portanto, há vários processos a decorrer ao mesmo tempo na Rússia.

"(...)a lógica de confrontação, do ponto de vista russo, é deliberada. O regime precisa de um inimigo externo para, no fim de contas, controlar melhor ou ainda mais o poder."

O meu argumento é que devemos prestar atenção à dimensão de política interna em Moscovo e no resto do país, porque não nos podemos esquecer de que em 2024 há eleições presidenciais também na Ucrânia e também nos Estados Unidos.

2024 vai ser um ano muito interessante sob esse ponto de vista. Não sei o que Putin fará, mas a evolução da guerra terá consequências no seu poder de autoridade e influência, em termos internos, dentro do regime.

Há uma velha questão: afinal como terminam as guerras? É suposto que a diplomacia tenha um papel. Observamos os sinais e temos alguma informação pública. Em que fase deste processo acredita que estamos?

Esta é uma guerra existencial para Moscovo e para Kiev. Quando as guerras são vistas assim, são mais difíceis de terminar. Pode-se chegar a uma situação intermédia, ambígua que, de facto, cessa o conflito, sem este ter acabado. Do meu ponto de vista, enquanto Vladimir Putin ou alguém associado ao regime estiver nos comandos da Rússia, a Ucrânia estará sempre em perigo. Devemo-nos preparar para um problema longo. As guerras acabam sempre da mesma forma, por falta de combustível humano, financeiro ou tecnológico.

É sempre assim, até chegar um dia em que um dos lados ou não tem mais capacidade financeira para conduzir esta guerra, ou deixa de ter acesso a certo tipo de tecnologias que são considerados essenciais para o combate moderno ou, do ponto de vista político, acabou.

A questão é que um dos lados se encontra com um arsenal indireto de fornecimento militar, que insufla esse lado de “oxigénio” versus um outro, que tem até dificuldade do ponto de vista tecnológico ou da composição do seu armamento.

Esse foi um dos grandes erros de cálculo do Vladimir Putin. Achou, de facto, que, em linha com a sua visão da Ucrânia, que a Ucrânia era um Estado falhado que sucumbiria em 48 horas.

"(....)devemos prestar atenção à dimensão de política interna em Moscovo e no resto do país, porque não nos podemos esquecer de que em 2024 há eleições presidenciais também na Ucrânia e também nos Estados Unidos."

Aliás, houve muita gente na Europa e nos Estados Unidos que pensou o mesmo, mas de facto assim não aconteceu. E estão a acontecer duas coisas simultaneamente. A Ucrânia está a tirar partido da enorme base científica, tecnológica e industrial dos países europeus e sobretudo dos Estados Unidos.

E a Rússia, por seu lado - e isto é um dos mistérios desta guerra - não tinha as suas forças Armadas estruturadas para uma operação de manobra ofensiva em profundidade num país com a dimensão da Ucrânia.

As forças russas - e a doutrina russa militar acentua isso - foram estruturadas para uma manobra defensiva, dentro do seu território ou relativamente perto da sua fronteira no caso de uma guerra à volta da Rússia. Nunca foram estruturadas para este tipo de guerra. E este é um dos pontos em que vemos a diferença.

"(...) a evolução da guerra terá consequências no seu poder de autoridade e influência, em termos internos, dentro do regime."

Putin é um homem que vem do mundo das operações de espionagem, influência indireta, coerção, suborno, corrupção. Nunca foi de facto uma pessoa com grande experiência militar.

E aqui vemos que a operação foi preparada com um enorme secretismo, provavelmente sem ter em conta o que os militares de facto poderiam dizer. Teve um preço enorme após a primeira semana de combate e continua a ter consequências importantes.

A Rússia de facto sofreu baixas muito elevadas, tal como a Ucrânia. Mas, do ponto de vista de equipamento militar, a Rússia obviamente terá mais dificuldade em substituir o equipamento do que a Ucrânia, que, basicamente e à medida que a guerra continua, está a ser integrada em toda a logística militar, doutrina, métodos, formação e equipamento da Aliança Atlântica.

Defende que não há uma transição de poder global de Washington para Pequim. Tem sido muito debatida a ideia de uma Rússia aliada da China. É uma leitura simplista?

Vladimir Putin e o regime russo optaram por uma grande estratégia nacional, que podemos chamar de “Fortaleza Rússia”, ou seja, um país soberano e autónomo em relação a todos as grandes potências. Mas eles também acharam, como já aconteceu na história russa, que o futuro do país estava na Ásia. A partir de 2010 - 2012, a orientação do país passou a ser muito mais euroasiática.

"(...)enquanto Vladimir Putin ou alguém associado ao regime estiver nos comandos da Rússia, a Ucrânia estará sempre em perigo. Devemo-nos preparar para um problema longo. As guerras acabam sempre da mesma forma, por falta de combustível humano, financeiro ou tecnológico."

A dificuldade é que toda a infraestrutura industrial e energética do Rússia estava virada para fornecer a Europa. Não é possível mudar isto rapidamente. Mas a Europa, sobretudo a Alemanha, foi sempre uma fonte de modernização tecnológica da Rússia durante séculos. Quando a Rússia, a partir de 2012, muda a sua orientação geoestratégica virada para a Ásia, isso pressupõe tempo para adaptar toda a sua infraestrutura de exportação de energia. Implica também a criação de uma relação nova com a China.

Do ponto de vista ideológico, há grandes semelhanças na visão que Xi Jinping e Vladimir Putin têm sobre o futuro da ordem internacional. A ideia da multipolaridade está toda aí. O meu argumento é que a forma como a guerra tem evoluído aumenta a dependência de Moscovo em relação à China. E à medida que se fazem sentir as sanções que os Estados Unidos e os países europeus impuseram à Rússia, a penetração chinesa na Rússia, em termos comerciais e tecnológicos, vai ser cada vez maior.

O tema foi levantado recentemente num seminário em Nova Deli, na Índia. Os indianos sempre foram um aliado tradicional da Rússia e levantaram o receio de a Rússia não passar a ser um parceiro júnior da China.

"As forças russas - e a doutrina russa militar acentua isso - foram estruturadas para uma manobra defensiva, dentro do seu território ou relativamente perto da sua fronteira no caso de uma guerra à volta da Rússia. Nunca foram estruturadas para este tipo de guerra."

O embaixador russo na Índia respondeu, até de acordo com a história, que a Rússia nunca foi um parceiro júnior de ninguém. E é verdade. Mas esta guerra tem vindo a evoluir com perdas humanas muito significativas, o exílio ou autoexílio de uma geração altamente qualificada - que é muito importante para o futuro de qualquer país - e a quebra de receitas de exportação de energia.

A Rússia continua a exportar energia, mas a um preço muito mais baixo, com consequências para as finanças públicas. A continuação desta guerra só será possível com um sobre esforço muito grande da economia russa. Quanto mais tempo isto durar, mais difícil será gerir a relação com Pequim, que tem sido muito hábil em camuflar aquilo que me parece ser uma das grandes transições de poder na política internacional, que é a transição de poder da Rússia para a China.

Porque desafia a ideia de uma transição de poder dos Estados Unidos para a China?

Há de facto uma transição de poder em curso. A prazo, Estados Unidos e os países europeus serão obviamente menos poderosos e influentes do que foram no passado. Isso é perfeitamente natural. Mas esta ideia de uma transição de poder dos Estados Unidos para a China assenta numa visão linear do futuro da China, ou seja, é assim que nós pensamos em Portugal e noutros países. Olhamos para as taxas de crescimento económico da China nas últimas décadas e assumimos que continuarão a ser as mesmas até 2050.

"(...)a Rússia obviamente terá mais dificuldade em substituir o equipamento do que a Ucrânia, que, basicamente e à medida que a guerra continua, está a ser integrada em toda a logística militar, doutrina, métodos, formação e equipamento da Aliança Atlântica."

O argumento que eu defendo é que provavelmente isso é impossível. Não é possível continuar a crescer e não há muitos exemplos desse ritmo na história económica. A sociedade chinesa vai começar a envelhecer muito rapidamente, isso obviamente terá consequências. Quando olhamos para a China, só damos atenção às províncias costeiras, que são realmente “porta-aviões logísticos” da globalização difíceis de substituir. Mas fora das províncias costeiras vivem 900 milhões de chineses, que para nós não existem, onde 60% das crianças não acabam o ensino secundário.

E, portanto, a China, como todos os países, terá dificuldades significativas nas próximas décadas. E isso leva-me à conclusão de que o horizonte temporal da oportunidade de Xi Jinping é muito mais curto do que nós pensamos na Europa.

Xi Jinping hoje é um homem central da China, tal como Putin também é na Rússia. Como é que compara estas duas lideranças?

O Partido Comunista da China aprendeu - mas também estudou muito bem - as razões pelas quais o sistema soviético foi um falhanço e entrou em colapso. Isso foi algo que preocupou a liderança do Partido Comunista da China que seguiu um caminho muito diferente daquele que foi seguido na União Soviética e depois na Rússia.

"Há um grupo muito pequeno de pessoas na Rússia que basicamente privatizou o país e que agora tomou uma opção, do meu ponto de vista catastrófica para o futuro da Rússia, pela hipercentralização do poder em Vladimir Putin. "

Isso explica parte da divergência em termos de trajetória. A China sabe que o futuro continua a depender da sua integração no sistema financeiro internacional e precisa de ter acesso a tecnologias muito avançadas.

Moscovo seguiu um caminho diferente, porque a evolução interna do regime impede a sua reforma. Há um grupo muito pequeno de pessoas na Rússia que basicamente privatizou o país e que agora tomou uma opção, do meu ponto de vista catastrófica para o futuro da Rússia, pela hipercentralização do poder em Vladimir Putin.

"(...)a forma como a guerra tem evoluído aumenta a dependência de Moscovo em relação à China. E à medida que se fazem sentir as sanções que os Estados Unidos e os países europeus impuseram à Rússia, a penetração chinesa na Rússia, em termos comerciais e tecnológicos, vai ser cada vez maior."

O regime provavelmente terá dificuldade em sobreviver sem ele. O ponto em comum com a Rússia e a China é que não existem mecanismos constitucionais de transição de poder. Xi Jinping acabou de eliminar uma fórmula que o Partido Comunista Chinês tinha desenhado e autoimposto a si mesmo para permitir a circulação de elites dentro do partido. Será interessante ver o que vai acontecer daqui a cinco, dez anos no Partido Comunista da China, à medida que esta hipercentralização de poder em XI Jinping também começa a fazer efeito.

Xi Jinping e o Partido Comunista da China centralizam o poder, porque sentem que é a única forma de continuarem a dominar a China. O sistema caminhava numa direção que foi entendido como demasiado perigosa para o futuro do monopólio do partido.

O Partido Comunista da China vê-se como uma nova dinastia imperial chinesa. Se olharmos para essa imagem, é uma dinastia recente, que tomou o poder há algumas décadas apenas. Vai querer continuar a ser uma dinastia bem-sucedida e parece-me ter bastante mais flexibilidade, em termos de relações económicas com a Ásia e o resto do mundo. E, apesar de ter sido bastante inábil nos últimos dois a três anos, parece-me bastante mais flexível do que foi Vladimir Putin.

Sobra ainda muito poder em Washington onde, no fundo, o sistema financeiro está baseado. Devemos olhar em definitivo para um mundo multipolar, com uma divisão de tarefas entre um bloco que domina o sistema financeiro, com democracias formais e não formais, e outro mais autoritário ou mesmo de ditadura, que pode dominar outro tipo de matérias importantes para o mundo?

Quando uso o conceito de “turbulência” no livro, tem exatamente a ver com isto. Vemos claramente uma transição para a multipolaridade, por exemplo ao nível da energia e da ciência e tecnologia. Mas vemos o oposto no sistema financeiro internacional. Esta guerra prova o enorme alcance e poder que os Estados Unidos continuam a ter no sistema financeiro internacional através do dólar e do controlo direto e indireto de uma série de instituições.

"A continuação desta guerra só será possível com um sobre esforço muito grande da economia russa. Quanto mais tempo isto durar, mais difícil será gerir a relação com Pequim, que tem sido muito hábil em camuflar aquilo que me parece ser uma das grandes transições de poder na política internacional, que é a transição de poder da Rússia para a China."

É evidente que há uma série de países que estão a reagir e a tentar arranjar mecanismos para evitar a dependência em relação ao dólar. Suspeito que levará algum tempo até existir uma maior multipolaridade do sistema financeiro, até porque sempre que há uma crise económica, as pessoas refugiam-se em moedas ou em investimentos que têm qualidade e isso continua a ser o dólar.

Wall Street continua a ser a principal praça financeira mundial e, portanto, os Estados Unidos, em termos científicos, tecnológicos, de energia, em termos financeiros, continuarão a ser uma superpotência.

"(....)a China, como todos os países, terá dificuldades significativas nas próximas décadas. E isso leva-me à conclusão de que o horizonte temporal da oportunidade de Xi Jinping é muito mais curto do que nós pensamos na Europa."

Mas não nos devemos esquecer na Europa que os Estados Unidos, ao longo da sua história, também tiveram períodos de grande tensão interna. Donald Trump é um bom exemplo. Ficaria surpreendido se, até ao final desta década, não pudessem existir problemas internos significativos nos Estados Unidos, exatamente por causa do preço político que todos os países pagaram neste esforço de adaptação em relação a tudo o que está a acontecer numa série de áreas.

Poderemos estar a entrar num período de desequilíbrio e levará algum tempo até voltar a aparecer uma nova configuração em termos internos e externos. É um pouco por isso que escrevi este livro, para chamar a atenção para este momento do ponto de vista histórico.

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