Vacina Covid portuguesa chumbada pelo PRR. “Era uma ótima oportunidade de pôr no mapa uma empresa científica”

Governo anunciou a intenção de investir na vacina portuguesa contra a Covid-19, mas deixou a Immunethep à espera durante um ano e meio. À Renascença, o CEO da biotecnológica, Bruno Santos, queixa-se que mecanismos "demoram imenso tempo".

14 jan, 2023 - 09:00 • Diogo Camilo



 

Quando a Immunethep começou a desenhar a sua vacina contra a Covid-19, em maio de 2020, esta já estava a ser preparada para uma segunda geração de combate à pandemia e ao surgimento de novas variantes. Dois anos e meio depois, receberam a machadada final: o projeto candidato ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi chumbado e no final de dezembro foi confirmada a recusa da candidatura.

À Renascença, o CEO da biotecnológica de Cantanhede, Bruno Santos, defende que esta era uma “ótima oportunidade” e a “altura certa” para apostar na ciência em Portugal e que a SILBA, a vacina oral administrada como se fosse uma bomba de asma, era apenas um “projeto extra” com o simples propósito de colocar os conhecimentos dos dez funcionários da empresa “à disposição do país”.

“Nós fizemos os primeiros contactos [com o Governo] logo no início, quando começámos a fazer o desenvolvimento da vacina, e que foi reforçado em 2021, quando tivemos os primeiros resultados positivos - quer da eficácia, quer da segurança da vacina, que nos permitiria avançar para ensaios clínicos, ou seja, testes em humanos”, diz.

Em março de 2021, a Immunethep recebeu a visita da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que garantiu que o Governo estaria disponível para investir no projeto: “Parece-nos que o projeto tem condições para dar o passo seguinte", disse na altura.

“No entanto, e ao contrário do que aconteceu noutros países, não houve nenhuma intervenção direta ou investimento direto, nem que fosse sob a forma de compra antecipada. Fomos remetidos para as ferramentas tradicionais, como o Portugal 2020 e depois para o PRR, que são ferramentas que demoram imenso tempo a serem concluídas. Tal como se comprovou, demorou mais de um ano e meio a resposta final do PRR, para algo que era urgente”, queixa-se Bruno Santos.


O projeto, que pedia um investimento de 65 milhões de euros, englobava, além da realização de ensaios clínicos da “primeira vacina inteiramente desenvolvida e produzida em Portugal” contra a Covid-19, a implementação de um serviço de ensaios não clínicos e a construção da primeira unidade industrial de vacinas e biológicos laboratórios BSL-3, com a criação de 250 postos de trabalho.

Dos 65 milhões de euros pedidos, 23,4 milhões estavam relacionados com investigação e desenvolvimento, enquanto quase 40 milhões são de investimento produtivo, com o restante valor referente a divulgação, recursos humanos e internacionalização da marca.

O projeto representaria apenas dos dois mil milhões referentes a tecnologia no PRR, e apenas dos mais de oito mil milhões destinados aos projetos escolhidos.

As razões para que a candidatura fosse chumbada, no verão do ano passado, foram “transversais”, indica Bruno Santos. “Dentro dos diferentes fatores, incluindo o impacto no país, na região, na inovação do projeto, nunca tivemos uma avaliação máxima, fomos sempre avaliados no 4 ou no 3 numa escala de 0 a 5, o que prejudicou o resultado global.”

Apesar de terem reunido voluntários para a fase de testes seguinte, esta nunca chegou a avançar por falta de investimento.

O líder da Immunethep refere que, entre os projetos escolhidos no PRR, estiveram candidaturas relacionadas com a “economia mais tradicional”: “Se virmos os projetos que foram apoiados, sendo inovadores, acabam por não trazer este tipo de conhecimento com base científica.”


À esquerda, Pedro Madureira, o diretor científico. À direita, o CEO da Immunethep, Bruno Santos. Foto: DR
À esquerda, Pedro Madureira, o diretor científico. À direita, o CEO da Immunethep, Bruno Santos. Foto: DR

Admitindo que o projeto poderia avançar com investimento privado, Bruno Santos lembra que a maioria das vacinas aprovadas nasceram de investimento público e da compra antecipada de vacinas, que surgiu logo no início da pandemia.

“Esta era uma ótima oportunidade de pôr no mapa uma empresa de base científica e de acelerar o seu processo de desenvolvimento através do apoio, quer em produção ou desenvolvimento, que permitissem que houvesse uma resposta rápida no caso de surgir outra pandemia ou mesmo no dia a dia, através da produção de vacinas que substituem vacinas que nós adquirimos todos os anos, como a vacina da gripe, por exemplo”, diz.

O futuro da Immunethep não fica, no entanto, comprometido. A biotecnológica defende que este era um “projeto extra” e que o foco está no seu projeto principal, uma vacina anti-bacteriana que recebeu fundos europeus.

“Isto surgiu como um projeto extra, em que pusemos os nossos conhecimentos à disposição do país. Sabíamos que ia ser difícil mas conseguimos criar uma vacina de forma rápida. Não sendo possível, o nosso percurso mantém-se e o nosso objetivo mantém-se. Lamentamos, porque pareceu-nos que era a altura certa e era uma competência necessária para o país, mas não nos limitamos por isso”, diz.


Uma vacina pensada para combater futuras variantes

A SILBA é uma vacina oral que é administrada através de inalação (como uma bomba de asma) e que foi criada para ter uma duplas ação, a de produzir anticorpos neutralizantes contra o vírus da Covid-19 - os que conseguem bloquear a entrada do vírus SARS-CoV-2 nas células -, e a de aumentar a capacidade para o combate a infeções virais.

Mesmo numa altura em que são administradas já doses de reforço adicionais e em que a vacina é apenas recomendada a idosos e pessoas de risco, Bruno Santos defende que a vacina da Immunethep foi criada com este mesmo propósito.

“Na altura, a vacina foi pensada exatamente com esse objetivo. Não preparámos uma vacina para ser a primeira vacina, a primeira resposta, mas uma vacina que tivesse vantagens numa segunda geração onde pudesse cobrir diferentes subtipos do vírus”, explica.


Por detrás da criação da vacina esteve a ideia, não de proteger as pessoas para o imediato, mas de pensar mais a longo prazo.

“Sabíamos que o vírus tem estas alterações que são naturais e por isso desenhámos uma formulação que fosse o menos sujeita a essas situações. Se tivesse sido apoiada na altura, se calhar durante o ano de 2022 teria sido aprovada e estaria na linha da frente para estas vacinas de segunda geração, com uma cobertura mais ampla e cobrindo diferentes subtipos do vírus”, refere Bruno Santos.

“Outras vacinas fizeram esse percurso que nós não fizemos e, naturalmente, estamos fora dessa corrida. Mas podíamos estar neste momento a vender a nossa vacina.”

Além de vacinas contra a Covid-19 e bactérias, a Immunethep está também a desenvolver um tratamento por anticorpos monoclonais - aqueles que ajudam o sistema imunológico a combater doenças mais rapidamente -, tendo recebido 2,5 milhões de euros do Conselho Europeu da Inovação (CEI) para os ensaios clínicos de uma vacina multi bacteriana e que poderá ser administrada quando antibióticos não funcionam.

Segundo a Immunethep, este financiamento tornou a biotecnológica na “primeira empresa no mundo com uma vacina multi-bacteriana em ensaios clínicos”.


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