Setor Público e escritórios de advogados: uma relação por ajuste direto contada em 10 gráficos

Todos os números e dados que precisa de saber sobre a relação do setor público e do Estado com os escritórios de advogados. Quem paga mais, quem gasta mais, quais os contratos mais caros, ou qual o valor da contratação pública no universo dos contratos assinados.Esta é uma das partes do especial Renascença, "O império do ajuste direto".

14 mar, 2023 - 07:00 • Diogo Camilo (gráficos), João Carlos Malta (texto), Salomé Esteves (imagem)



Imagem: Diogo Camilo/Salomé Esteves
Imagem: Diogo Camilo/Salomé Esteves

Através de uma análise do Portal Base, a Renascença mergulhou nas relações entre o setor público e os escritórios de advogados. Um universo dominado pelos ajustes diretos e que movimenta muitos milhões de euros todos os anos.

O especialista em direito administrativo Lícinio Martins garante que não é só com os escritórios de advogados que o Estado e setor público usa de forma quase exclusiva o ajuste direto. É uma tendência que se extende a quase todas áreas de contratação pública.


Entre os anos de 2020 e 2022, o Estado e o setor público — que engloba autarquias, entidades públicas, ordens profissionais, etc — fizeram 2.551 contratos de serviços com escritórios de advogados, mas desses apenas 25, ou seja 1%, é que foram feitos através de concurso público.


O ex-secretário de Estado Miguel Prata Roque, atual professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, diz que o "ajuste direto constitui, de certa forma, uma entorse a esse princípio da concorrência, porque permite à entidade pública escolher diretamente quem vai contratar”.


O ajuste direto — modalidade da contratação pública em que quem quer um serviço pode escolher diretamente o fornecedor sem recorrer ao mercado — vale 80% do número de contratos, num total de quase 70 milhões de euros.


O Banco de Portugal (BdP) gastou um total de 11 milhões de euros, em três anos. Deste valor, 99% foi em contratos por ajuste direto. No tempo analisado, o BdP celebrou 23 contratos com escritórios de advogados. Muito longe, está a a ANACOM e o Banco de Fomento que fizeram contratos de pouco mais de um milhão de euros.


A partir dos dados disponíveis no Portal Base, pode-se perceber quanto é que cada autarquia gasta em serviços jurídicos. No entanto, fonte oficial da Câmara de Ponta do Sol, na Madeira, que aparece nos 10 mais gastadores sugere que nem todas cumprem este dever de transparência. Também o especialista em Direito Administrativo Miguel Prata Roque acredita que há quem escape a esta obrigação.


O Banco de Portugal domina avassaladoramente a lista dos contratos mais caros com escritórios de advogados. Tem sete com valores superiores a 250 mil euros. O mais onoroso foi assinado com a sociedade Vieira de Almeida por um valor superior a quatro milhões de euros.


A sociedade Vieira de Almeida foi quem mais faturou nos últimos três anos, num total de 9,3 milhões de euros, muito por causa dos contratos que estabeleceu com o Banco de Portugal. Deste valor, a quase totalidade, 97%, resulta de ajustes diretos.

Mas se o critério de análise for o do número de contratos com entidades do setor público, é a Sérvulo quem conquistou mais clientes neste universo: num total de 145 contratos. Esta sociedade faturou 6,2 milhões de euros, sendo que dois terços do valor são ajustes diretos.


Nas autarquias, sem grandes surpresas, devido à dimensão, Lisboa e Porto lideram. Ainda assim, a capital soma mais do dobro do valor gasto, 2,3 milhões de euros, que compara com o valor de um milhão de euros gasto pelo município portuense.

Ainda assim, no Porto o ajuste direto vale 85% do total, enquanto em Lisboa representa 55%. Albufeira, que está no terceiro lugar, fez quatro contratos nestes quatro anos, que somam 820 mil euros, e todos em ajuste direto.


É tremendo o domínio do recurso ao ajuste direto. Apenas a consulta prévia, modelo através do qual quem quer contratar tem de pedir a três entidades que apresentem propostas, tem alguma dimensão. Vale 18%. O concurso público é praticamente inexistente.


Lisboa e Porto lideram sem surpresas nos gastos. No entanto, também se constata a presença de pequenas autarquias como a de Ponta do Sol, de Torre de Moncorvo ou de Paços de Ferreira entre as que têm contratos mais avultados.


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