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Balanço Social 2021

Pandemia destruiu os poucos progressos nas condições de vida dos cidadãos mais frágeis

18 jan, 2022 - 11:30 • Ana Carrilho

O Relatório “Portugal, Balanço Social 2021” traça um retrato socioeconómico das famílias portuguesas, focando particularmente as situações de privação e de pobreza, sem descurar as respostas sociais.

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O Relatório “Portugal, Balanço Social 2021” traça um retrato socioeconómico das famílias portuguesas, focando particularmente as situações de privação e de pobreza, sem descurar as respostas sociais.

Muito centrado nos anos de 2019 e 2020 (usando também os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento de 2020 – INE) dá conta de alguns progressos que estavam a ser feitos no combate à pobreza e às desigualdades, mas também a algum impacto da pandemia que já é possível confirmar com dados rigorosos, nomeadamente os divulgados pelo INE no fim do ano e que dão conta do aumento significativo da pobreza.

Sem conclusões, o estudo feito pelos investigadores Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Mariana Esteves mostra a situação dos portugueses: de como a pobreza está relacionada com a situação laboral; de como as mulheres, as crianças e os mais velhos são os mais frágeis da sociedade e mais expostos à pobreza; de como as desigualdades persistem e em muitos casos se agravam no acesso à saúde, educação ou a uma habitação com condições mínimas; de como a pobreza e desigualdade não atinge todas as regiões do país da mesma maneira.

Pobreza diminuiu, mas mais para uns que para outros

A prevalência da pobreza e privação têm vindo a diminuir nos últimos anos e em 2019, o limiar de pobreza era de 6.480 euros/ano, ou seja, 463 euros/mês.

Em 2020, a taxa de risco de pobreza era de 16,2% e a de pobreza extrema, 10,3%. Mas, se não fossem as transferências sociais, mais de 42% da população estaria em risco de pobreza. Com as pensões e outros apoios, antes da pandemia, baixou para 22%, taxas inferiores às de 2018.

Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Mariana Esteves, os investigadores que elaboraram este Balanço Social referem que a taxa de privação social também evoluiu de forma positiva: em 2020, 13% das pessoas estavam em situação de privação material e 4,6%, em privação severa, menos 1,6 e 1 pontos percentuais do que no ano anterior.

Isto quer dizer que não conseguiam fazer pelo menos uma semana de férias fora de casa (38%), fazer face a despesas inesperadas (30,7%) ou conseguir manter a casa com o aquecimento adequado (17,4%).


O risco de pobreza não está desligado da intensidade laboral, ou seja, da percentagem de tempo que os adultos de uma família trabalham. Em 2019, a percentagem de indivíduos de agregados com muito baixa intensidade laboral (em que as pessoas entre os 18 e os 59 anos trabalham menos de 20% do tempo normal) era 5,1% ou seja, 1,1% acima do registado no ano anterior.

Uma em cada três pessoas de agregados pobres trabalham menos de metade do ano. Mas mesmo entre aqueles que trabalham o ano inteiro, há mais de 40% de pobres.

Os desempregados são o grupo com taxa mais elevada de risco de pobreza (33% em 2019) e quem fica mais tempo em situação de pobreza persistente. No mesmo ano, essa taxa atingiu quase 24% um quarto dos desempregados (24%), quando a média nacional não chegou a 10%.

E os autores do Balanço Social alertam que mesmo esta tendência de redução que se ia registando até 2019 esconde assimetrias: como se referiu, a pobreza é mais frequente entre os desempregados, as famílias monoparentais (25,5%,) e indivíduos com níveis de escolaridade mais baixos (21,9%). As mulheres correm maior risco de pobreza do que os homens (16,7% contra 15,6%). Ainda tendo em conta os dados de 2019 – antes da pandemia – as crianças até aos 17 anos e as pessoas com mais de 65 anos têm um risco de pobreza superior à média nacional.

Sectorialmente, os trabalhadores da construção eram os mais expostos ao risco de pobreza, ultrapassando os da agricultura, em que se registou uma melhoria significativa de 2018 para 2019 (de 27% para 20,9%).

A taxa de pobreza entre as pessoas com contrato de trabalho temporário é mais do dobro registada entre aquelas que têm um contrato sem termo.

No período antes da pandemia, o sobre-endividamento das famílias estava a baixar e já havia menos pessoas que assumiam ter dificuldades financeiras para chegar ao fim do mês.

Carências também na Educação, Saúde e Habitação

Para além da pobreza monetária, o relatório refere outras privações essenciais, relacionadas com a educação, saúde e habitação.

Em 2019, o rendimento mediano equivalente das pessoas com educação superior era 1, 7 vezes mais alto que o das pessoas com educação até ao ensino básico.

A desigualdade salarial entre homens e mulheres era evidente: por cada euro ganho por um homem, uma mulher recebia 73 cêntimos. E a diferença ainda era maior na população pobre com o ensino básico: por cada euro recebido por um homem, uma mulher recebia 66 cêntimos.

Em 2020 – já em plena pandemia de Covid-19 – 23% das pessoas pobres autoavaliaram a sua saúde como “má ou “muito má”, contra os pouco mais de 13% entre a população em geral. Mais de metade refere doenças crónicas e prolongadas e revelam níveis de privação mais elevados, especialmente em especialidades como a medicina oral, cujos serviços não são disponibilizados pelo Serviço Nacional de Saúde.

A pobreza revela-se também nas carências habitacionais. Quase um quarto da população estava, em 2020, em situação de privação habitacional severa, ou seja, praticamente, o dobro da que se regista na população total.

Mais de 14% das famílias pobres viviam em alojamentos sobrelotados e um terço tinha encargos excessivos com a habitação. 38% tinham encargos com o alojamento que ultrapassavam dois quintos do rendimento total do agregado familiar.

O Balanço Social avalia também a taxa de pobreza persistente, ou seja, a percentagem de pessoas que está em situação de pobreza num ano, mas também esteve na maioria dos três anos anteriores. Em 2019 a taxa foi de 9,8%, o que significa que 60% dos indivíduos pobres estava em situação de pobreza persistente. Destas, 6% nunca saiu dessa situação em quatro anos. A situação mais grave é a das crianças e desempregados.

A nível regional, os Açores continuam a apresentar a taxa mais elevada de pobreza (28,5% em 2019, ainda assim, menos 3,3% do que no ano anterior). Segue-se a Madeira, o Norte e o Algarve.

O município com remuneração média mais elevada paga a quem nele trabalha, em 2019, foi o de Alcochete, com 2.011,50 euros; e o de Celorico de Basto, o que teve a remuneração média mais baixa, 794 euros.

Os salários mais altos concentram-se no litoral do país, especialmente na Área Metropolitana de Lisboa, Centro e Norte.

Os concelhos com maior percentagem da população inscrita nos centros de emprego localizam-se no Norte, no interior das regiões Centro, Alentejo e Algarve.

Os municípios com maior desigualdade na repartição do rendimento bruto coletável estão todos na Área Metropolitana de Lisboa: Oeiras, Cascais e Lisboa.

Pobreza nas crianças e idosos aumentou ainda antes da pandemia

O Balanço Social refere que a pobreza entre as crianças aumentou de 2018 para 2019 (18,5% para 19,1%), o que significa que há dois anos existiam mais de 330 mil crianças pobres. A pobreza atinge mais de um quarto das famílias monoparentais, que são as mais expostas ao risco de pobreza.

Em 2020, mais de um em cada quatro menores viviam em casas com telhado, paredes, janelas e chão permeáveis à água ou apodrecidos (mais do que em 2019) e 11% das casas não tinha aquecimento adequado.

Quase 2% das crianças não conseguia fazer uma refeição de carne, peixe (ou equivalente vegetariana) pelo menos de dois em dois dias.

Ao nível educacional, sete em cada dez crianças pobres não tem acesso à creche e entre os 4 e os sete anos, as mais pobres são as que menos frequentam o ensino pré-escolar. Quando se fala do ensino básico obrigatório, as crianças pobres têm resultados piores do que os seus colegas de meios socioeconómicos menos desfavorecidos.

Quanto aos maiores de 65 anos, em 2019, a taxa de risco de pobreza também estava acima da média nacional (17,5% vs 16,2%) e cresceu em relação ao ano anterior. Isso quer dizer que nessa altura existiam mais de 381 mil pessoas com mais de 65 anos que eram pobres e as pensões – apesar de baixas, em geral – ajudam a reduzir o risco.

Os dados revelam ainda que mais de um quarto das pessoas deste grupo etário vivia em casas sem as mínimas condições e 43% não consegue aquecer convenientemente a sua habitação.


Um décimo dos indivíduos pobres não consegue fazer uma refeição com proteína animal ou vegetal pelo menos de dois em dois dias e um em cada quatro não consegue comprar alimentos para fazer uma refeição completa e saudável. 7% referiu que teve fome, mas não comeu porque não tinha dinheiro para o fazer.

Dois terços das pessoas com mais de 60 anos sentiu-se nervosa e ansiosa e quase metade, sentiu-se muitas vezes, sozinha. Entre estas, 14% admitiram que a situação piorou com a pandemia. A saúde mental das pessoas mais velhas agravou-se, especialmente para as que têm maiores dificuldades económicas.

Houve quem precisasse de adiar pagamentos, recorresse às poupanças ou tivesse que pedir apoio. Entre os que têm dificuldades económicas, 41% teve apoio financeiro que, veio, especialmente dos filhos. Apoio que aumentou durante a pandemia.

Pandemia agrava condições de vida, especialmente dos mais vulneráveis

Os dados oficiais disponíveis ainda não permitem analisar com rigor o impacto da crise pandémica no rendimento das famílias.

Mas o ICOR 2021 (Inquérito às Condições de Vida e Rendimento) divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística no fim do ano passado já mostra que em 2020, a taxa de risco de pobreza atingiu os 18,4%, ou seja, cresceu 2,2% em relação a 2019. O número de pessoas em risco de pobreza era de 1,9 milhões.

Durante a pandemia, o trabalho foi das esferas mais afetadas com os confinamentos e suspensão da atividade económica: os mais vulneráveis, com menos rendimentos, com níveis mais baixos de escolaridade ou em situações laborais precárias, foram os mais afetados.

As mulheres, os jovens adultos (25-34 anos) e os indivíduos com menor escolaridade foram os que mais se inscreveram nos centros de emprego em 2020 e o ano passado. Especialmente das regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve.

Por causa do lay-off simplificado e o trabalho a tempo parcial, o número médio de horas trabalhadas foi mais baixo. Especialmente para as mulheres (menos 7% que os homens), que têm mais dificuldade em arranjar trabalho a tempo inteiro.

O teletrabalho ganhou peso, mas apenas para os trabalhadores com nível mais elevado de escolaridade. Entre estes, 40% ficaram em teletrabalho mas apenas 11% dos que tinham o ensino básico completo o conseguiram. A maioria dos outros com menos escolaridade teve de continuar a fazer trabalho presencial, expondo-se a maiores riscos de contágio.

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