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Entrevista a Jean-Jacques Annaud

​Realizador de “Notre-Dame em Chamas” está “muito inquieto” com as presidenciais francesas

22 abr, 2022 - 06:10 • Maria João Costa

A poucos dias da segunda volta das presidenciais em França, Jean-Jacques Annaud diz esperar “que a França possa continuar a ser um país motor da União Europeia e não o contrário!”. Em entrevista à Renascença na véspera da estreia em Portugal do filme “Notre-Dame em Chamas”, o realizador explica que retrata no thriller o “heroísmo de pessoas anónimas”.

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O seu nome é reconhecido como o autor de filmes como “Em Nome da Rosa” ou “Sete Anos no Tibete”. Jean-Jacques Annaud não rodava, contudo, um filme há 40 anos em França. O incêndio da Catedral de Notre-Dame, em abril de 2019, em Paris, levou-o a abraçar um novo projeto cinematográfico e voltar a filmar no seu país.

Em entrevista à Renascença, a poucos dias da estreia da longa-metragem nas salas de cinema portuguesas a 28 de abril, diz que fez “Notre-Dame em Chamas” na esperança que seja um filme que dê “vontade às pessoas de regressarem a uma sala de cinema”, depois da pandemia.

No thriller usa imagens que filmou, misturadas com outras reais filmadas por populares que lhe cederam, depois de ter lançado um repto pela internet.

Aos 79 anos, Jean-Jacques Annaud, diz que está “cansado de filmes de super-heróis”. Em “Notre-Dame em Chamas” quis retratar o “heroísmo de pessoas anónimas”. Questionado sobre a segunda volta das presidenciais francesas, é parco em palavras. O realizador aponta apenas que espera “que a França possa continuar a ser um país motor da União Europeia e não o contrário!”.

O Jean-Jacques Annaud é sempre motivado por projetos ambiciosos. Porque decidiu fazer um filme sobre este incêndio na Catedral de Notre-Dame, um dos monumentos mais visitados do mundo e um símbolo da cultura francesa?

É um projeto que me motivou de forma extraordinária. É uma mistura entre um thriller, um grande espetáculo e uma história real. Se quiser, tem o mérito do grande cinema!

Lamento muito que durante um grande período de tempo as pessoas estiveram impedidas de ir ao cinema por causa da pandemia, e pensei que era importante fazer um filme depois da pandemia que desse vontade às pessoas de regressarem a uma sala de cinema e partilharem com os outros as emoções.

A realidade é por vezes apaixonante, emocionante e surpreendente e tem uma série de semelhanças com a verdade.

Os bombeiros chegaram tarde ao local do incêndio na Catedral, mas eles são os heróis do seu filme. Porque quis centrar a ação nestes heróis?

Estamos perante o heroísmo de pessoas anónimas. É isso que é muito tocante. São pessoas que não têm a pretensão de dizer que são heróis. Eu estou cansado dos filmes de super-heróis. Acho que são de uma debilidade trágica!

Eu sempre gostei de ver que há gente que arrisca, que põe a sua vida em perigo para salvar outras vidas e nem fala disso. Isso, francamente, é profundamente admirável. Não é uma especialidade dos bombeiros de Paris, mas fico tocado por ver que é uma profissão de vocação. Não pensava nisso até este filme. Foi o que me apaixonou.


Decidiu avançar para o filme logo no dia do incêndio?

Não. Achei que iria ter muitos concorrentes. Mas isto é matéria cinematográfica formidável para um filme de tensão forte e grande espetáculo. Foi por isso que eu hesitei em fazer o filme, porque achei que teria 30 mil concorrentes!

Escolheu contar a história, hora-a-hora e através de diferentes pontos de vista.

Numa aventura como esta eu escolhi contar minuto a minuto, entre 400 pontos de vista diferentes! Porque tinha entre o clero, os responsáveis da Catedral, os trabalhadores, a autarca de Paris, o chefe de Estado Emmanuel Macron.

Eu podia contar a história de um camião preso no trânsito, mas também podia contar a história dos bombeiros que foram salvar o teto da catedral e as suas figuras. Tinha múltiplas possibilidades de montar uma tensão dramática formidável.

O grande interesse deste guião é que tinha à minha disposição histórias verdadeiras e sensacionais. Foi o guião que escrevi mais rapidamente na minha vida. Em menos de seis meses. Depois foram mais seis meses de investigação e um de preparação. Normalmente levo mais tempo!

No filme usa técnicas de documentário. Mas este não é um documentário. Como foi a rodagem.

Eu gosto de encontrar fórmulas que ainda não tenham sido muito exploradas. Aqui juntei lado a lado imagens que fiz da catedral, com algumas imagens da catedral em chamas filmadas por excelentes amadores que fizeram imagens formidáveis de diferentes ângulos.

Como é que conseguiu essas imagens verdadeiras?

Para conseguir essas imagens lancei um repto pela internet para me enviarem vídeos e recebi na primeira semana 100 mil vídeos! Eram imagens excecionais e muito bonitas.

Há 40 anos que não filmava em França. Já filmou em diferentes países, tem no seu currículo filmes muito reconhecidos como “Em Nome da Rosa”, “Sete Anos no Tibete”, “O Urso”. O que fez voltar a rodar no seu país? É um regresso a casa aos 79 anos?

Foi sempre por razões muito materiais que fiz filmes fora de França. Simplesmente, nunca tive financiamento em França. Ninguém queria apoiar filmes como o “Em Nome da Rosa” ou “A Guerra do Fogo”. Achavam que ninguém queria ver esses filmes bizarros. Houve sempre dificuldades porque eu sempre me aventurei em projetos atípicos.

Eu penso que é a função da criação cinematográfica propor algo novo. Se é para fazer o mesmo, nisso os americanos são muito fortes. Eles fazem 11 vezes a mesma coisa, e as pessoas vão a correr ver 11 vezes a mesma coisa! Se isso interessa as pessoas, não tenho nada contra, mas penso que não é a nossa função enquanto cineastas.

E voltou agora a França.

Eu sempre conservei o meu apartamento em Paris, e a minha casa de campo em França, por isso, achei que era uma boa hora.

Vou contar uma história anedótica. Contatei o meu diretor de produção. E disse-lhe, tenho um projeto para ti! E ele respondeu-me tudo bem, tenho o passaporte em dia! E eu respondi-lhe o teu passe “Navigo” chega! O passe “Navigo” é o que usamos para apanhar o comboio para os subúrbios, para ir a 30 quilómetros de Paris.

Para mim foi um grande desafio. Eu ia a pé para casa todos os dias. Vivo a poucos metros da Catedral. Foi para mim apaixonante dirigir atores franceses, depois de 40 anos a fazer filmes em inglês!

Aproxima-se a segunda volta das presidenciais em França, no próximo domingo. Como vê o futuro de França? Emmanuel Macron ou Marine Le Pen?

Tenho-me recusado desde sempre a dar a minha opinião. Só lhe posso dizer que estou muito inquieto e que espero que a França possa continuar a ser um país motor da União Europeia e não o contrário!

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