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Artigo

Todos os dias são Black Friday para destruir nosso planeta, por George Monbiot

 

Imagem: pixabay

 

IHU

Um crescimento global de 3% significa que o tamanho da economia mundial se duplica a cada 24 anos. Esta é a razão pela qual a crise ambiental está se acelerando neste ritmo. Ainda assim, o plano é assegurar que se duplique e volte a duplicar, e continue duplicando eternamente. Em nossa busca por defender o mundo da voragem destrutiva podemos pensar que estamos lutando contra corporações e governos e a ignorância geral da humanidade. Mas, só são substitutos do verdadeiro problema: o crescimento perpétuo em um planeta que não está crescendo”, escreve George Monbiot, jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido, em artigo publicado por El Diario, 23-11-2017. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Todos querem ter de tudo. Como irá funcionar? A promessa do crescimento econômico é que os pobres podem viver como os ricos e os ricos como os oligarcas. Mas, estamos superando as barreiras físicas do planeta que nos sustenta. O colapso climático, a perda do solo, a desintegração de habitats e espécies, o mar de plástico, o desaparecimento de insetos: tudo impulsionado pelo consumo. A promessa de luxo para todos não pode ser alcançada. Não existe suficiente espaço físico, nem ecológico para isso.

Contudo, o crescimento precisa continuar: este é o imperativo político em todas as partes. E temos que modificar nossos gostos de maneira concorde. Em nome da autonomia e a escolha, o marketing emprega as últimas descobertas em neurociência para derrubar nossas defesas. Os que tentam resistir serão silenciados, como os partidários da Vida Simples de Admirável Mundo Novo de Huxley, mas neste caso pelos meios de comunicação.

Com cada geração muda a referência do que constitui um consumo normal. Há trinta anos, era ridículo comprar água engarrafada em lugares nos quais a água da torneira é abundante e limpa. Hoje em dia, em nível mundial, usamos um milhão de garrafas de plástico a cada minuto.

Toda sexta-feira é sexta-feira preta – Black Friday -, todo Natal um festival maior de destruição adornado por guirlandas coloridas. Entre saunas com neve, geladeiras portáteis para melancias e smartphones para cachorros com os quais nos estimulam a encher nossas vidas, meu prêmio “Civilização extrema” vai para a PancakeBot: uma impressora 3D de massa que permite a você comer, todas as manhãs, a Mona Lisa, o Taj Mahal ou o traseiro de seu cachorro. Na prática, irá atrapalhar você, durante uma semana, até que perceba que não tem espaço na cozinha. Com porcarias como essa, estamos dilacerando o planeta e nossas próprias perspectivas de futuro. Temos que tirar tudo do caminho.

A promessa complementar a esta é que através do consumismo ecológico podemos reconciliar o crescimento perpétuo e a sobrevivência do planeta. No entanto, uma série de trabalhos de pesquisa demonstram que não há uma diferença significativa entre a pegada ecológica das pessoas que se preocupam e das que não. Um artigo recente, publicado pela revista Environment and Behaviour, destaca que aqueles que se identificam como consumidores comprometidos utilizam mais energia e produzem mais emissões que aqueles que não se preocupam com o meio ambiente.

Por quê? Porque a sensibilização ambiental costuma ser maior entre pessoas endinheiradas. Não são nossas posturas as que impactam no meio ambiente, mas nossas receitas. Quanto mais ricos somos, maior é a nossa pegada ecológica, sem importar nossas intenções. Segundo mostra o estudo, os que se percebem como consumidores ecológicos se concentram, principalmente, em comportamentos que tem “benefícios relativamente pequenos”.

Conheço pessoas que reciclam religiosamente, guardam as sacolas de plástico, medem com cuidado a quantidade de água ao fazer chá, e depois vão de férias ao Caribe, anulando abertamente suas economias ambientais. Cheguei a acreditar que a reciclagem delas justifica os voos transatlânticos. Convence as pessoas de que são ecológicas, permitindo-lhes ignorar impactos maiores.

Nada disto significa que não devemos tentar reduzir nosso impacto ambiental, mas temos que ser conscientes dos limites de nossas ações. Nosso comportamento dentro do sistema não pode mudar as consequências do sistema. O que é necessário mudar é o sistema.

Uma pesquisa da Oxfam sugere que o 1% mais rico do planeta – se seu lar possui um ingresso de 70.000 libras (ao redor de 79.000 euros) por ano ou mais, você é este 1%) produz 175 vezes mais carbono que os 10% mais pobres. Como, em um mundo no qual se supõe que todos temos que almejar rendimentos maiores, podemos evitar que a Terra, da qual depende todo o bem-estar, se converta em um saco de pó?

Mediante o desacoplamento (“decoupling”), os economistas não o dizem: separar nosso crescimento econômico de nosso uso de materiais. Como está funcionando isto? Um estudo publicado na revista Plos One descobriu que, enquanto em alguns países houve um desacoplamento relativo, “nenhum país conseguiu um desacoplamento total nos últimos 50 anos”. Isto significa que a quantidade de materiais e energia associada a cada aumento do PIB pode cair, mas enquanto o crescimento deixa para trás a eficiência, o uso total de recursos segue aumentando. O mais importante, revelado pelo estudo, é que, em longo prazo, o desacoplamento tanto relativo como absoluto, derivado do uso de recursos essenciais, é impossível, devido aos limites físicos da eficiência.

Um crescimento global de 3% significa que o tamanho da economia mundial se duplica a cada 24 anos. Esta é a razão pela qual a crise ambiental está se acelerando neste ritmo. Ainda assim, o plano é assegurar que se duplique e volte a duplicar, e continue duplicando eternamente. Em nossa busca por defender o mundo da voragem destrutiva podemos pensar que estamos lutando contra corporações e governos e a ignorância geral da humanidade. Mas, só são substitutos do verdadeiro problema: o crescimento perpétuo em um planeta que não está crescendo.

Aqueles que justificam o sistema insistem em que o crescimento econômico é central para a redução da pobreza. No entanto, um estudo na World Economic Review destaca que os 60% mais pobres do mundo recebem só 5% de receitas adicionais geradas pelo crescimento do PIB. Como resultado, são necessários 111 dólares (94 euros) adicionais para cada dólar destinado à redução da pobreza.

Por isso, segundo as tendências atuais, seriam necessários 200 anos para assegurar que todos recebam cinco dólares (quatro euros) por ano. Chegado esse ponto, o salário médio per capita chegaria ao um milhão de dólares (850.000 euros) por ano, e a economia seria 175 vezes maior que atualmente. Esta não é uma fórmula para vencer a pobreza. É uma fórmula para a destruição de tudo e de todos.

Quando ouvir que algo possui sentido em nível econômico, isto significa que é o contrário do sentido comum. Esses homens e mulheres sensatos que conduzem os Ministérios da Fazenda e os bancos centrais mundiais, que veem uma ascensão infinita do consumo como algo normal e necessário, são os destruidores: destroem as maravilhas do mundo e acabam com a prosperidade das gerações futuras para manter algumas cifras que tem cada vez menos relação com o bem-estar geral.

O consumismo responsável, o desacoplamento material, o crescimento sustentável: são todas ilusões, desenhadas para justificar um modelo econômico que está nos levando à catástrofe. O sistema atual, baseado no luxo privado e a miséria pública, tornará a todos miseráveis. Neste modelo, o luxo e a carência são uma besta com duas cabeças. Precisamos de um sistema diferente, que não seja baseado em abstrações econômicas, mas, ao contrário, em realidades físicas, que estabeleça os parâmetros pelos quais julguemos sua saúde. Precisamos construir um mundo em que o crescimento seja desnecessário, um grupo de suficiência privada e luxo público. E precisamos fazer isto antes que a catástrofe nos obrigue a agir.

 

(EcoDebate, 27/11/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

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