Acerca da “ignorância” dos jovens ocupas ou dos seus professores

Face à situação, a única forma de evitar a eco-ansiedade e o desespero é a de se juntar e agir. E refletir seriamente sobre quais os valores que priorizam e quais as coisas de que não querem abdicar.

Dando voz a muita gente, João Miguel Tavares criticou aqui as “manifestações etéreas ou suspiros apocalípticos”, o discurso vazio dos jovens zangados que ocuparam as escolas. Mas quem é responsável pela suposta ignorância dos jovens? Parece-me ser não os próprios, mas sim os ministérios da Educação e do Ensino Superior. Os jovens, ao pedirem aulas sobre a situação ecológica e ambiental, mostram estar conscientes de que algo tem de ser feito, urgentemente. Eles, pelo menos, estão conscientes da sua falta de conhecimento. Eis algumas das coisas que lhes deviam ser ensinadas.

Não se pode, de facto, pedir o fim dos combustíveis fósseis – por exemplo, 30% dos camiões transportam comida, que não pode ser transportada por outros meios. Sem camiões, as cidades morrem à fome em poucas semanas. As energias renováveis não podem, a curto e médio prazo, substituir totalmente a energia fóssil. Pode-se, sim, reduzir drasticamente o uso de petróleo, gás e carvão, redução que deve ser de 5% por ano, se se quiser manter o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 1,5º.

Como há muitas máquinas que só funcionam com energia fóssil, respeitar o Acordo de Paris requer utilizar menos máquinas e, portanto, mais trabalho humano. Produzir com menos máquinas e mais trabalho significa diminuir a produtividade, isto é, produzir menos – o que, aliás, é obrigatório, porque já se está a consumir por ano mais recursos naturais, minerais, hídricos e biológicos do que o planeta consegue fornecer. Se a produção total diminuir, os mais ricos terão de partilhar, recebendo salários mais baixos ou pagando mais impostos, para os mais pobres terem acesso aos bens essenciais. Os jovens não podem, assim, ambicionar ser ricos. Cerca de 45% do CO2 é emitido pelos 10% mais ricos (no mundo e em cada país); o seu modo de vida terá de se aproximar do dos mais pobres. Sobriedade, fim do produtivismo e redução das desigualdades são condições indispensáveis à limitação do aquecimento climático.

Os planos elaborados por vários países europeus mostram que o emprego total aumentará, sobretudo no setor agroflorestal. Como 10% das árvores já morreram, na Europa, e mais 30% vão morrer até 2050 devido às secas, e como as florestas absorvem CO2, é imprescindível começar já a substituir algumas espécies por outras mais resistentes ao stress hídrico. Deve-se também reestruturar o setor agrícola em profundidade. Ora, os cursos superiores do setor agroflorestal ficam, em Portugal, sem candidatos. É importante informar os jovens sobre que empregos resultarão da transição ecológica, para que ajustem as expectativas.

Segundo o IPCC e o Banco Mundial, teremos 260 milhões de refugiados climáticos até 2050 – pessoas que não podem sair de casa por estar 35º e humidade de 95% (o wet bulb), ou cujas terras secaram ou foram inundadas. Os jovens europeus terão de encontrar uma solução para gerir os fluxos de refugiados, solução que os seus pais não encontram. Terão também de ser tolerantes quanto a direitos humanos, porque um modelo de desenvolvimento baseado em energias renováveis implica ficar dependente da China, que controla 80% do mercado de renováveis. A China está pacientemente à espera da sua hora.

Face à situação, a única forma de evitar a eco-ansiedade e o desespero é a de se juntar e agir, não ficar isolado. E refletir seriamente sobre quais os valores que priorizam e quais as coisas de que não querem abdicar. Agir, juntos; é imperioso sair da lógica individualista.

Se os responsáveis nos ministérios da Educação e do Ensino Superior não facultarem aos jovens os conhecimentos que lhes são pedidos, arriscam-se a ser considerados, como disse Ortega y Gasset, “fabulosamente medíocres” por não enfrentarem a realidade. Se o fizerem, arriscam-se a terem, não dezenas, mas centenas ou milhares de jovens a ocuparem escolas e universidades e a invadirem museus. O certo é que, sem a mobilização da sociedade civil, os governos não tomarão as medidas necessárias. Como não tenho idade para me ir colar a obras de arte, escrevo artigos para o PÚBLICO.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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